Mês passado estive no Líbano. A convite da agência Uzumaki e do UOL, fui gravar um documentário sobre o trabalho de Médicos Sem Fronteiras com os refugiados sírios, experiência inesquecível.
Fiquei impressionado com a prevalência quase universal do fumo e com o uso disseminado do narguilé entre homens e mulheres, responsável pela névoa densa que toma conta dos bares e restaurantes do Líbano inteiro. A preocupação com os fumantes passivos ainda não chegou àquela parte do mundo.
Na maioria dos restaurantes, o equipamento para fumar o narguilé é levado à mesa do usuário por garçons jovens encarregados de acendê-lo. A operação é realizada introduzindo um dispositivo na embocadura da saída da fumaça, para aspirá-la com força três ou quatro vezes, antes de entregá-lo ao cliente. A nuvem de fumaça exalada depois de cada tragada é impressionante. Fazem tudo rapidamente, porque há usuários impacientes à espera,
Nos restaurantes maiores, os rapazes devem repetir a operação 40, 50 vezes, num turno de trabalho. Com pouco mais de 20 anos, eles têm as maçãs do rosto e os lábios arroxeados dos fumantes de cigarros intoxicados pelo monóxido de carbono, e com a capacidade respiratória comprometida pela doença pulmonar obstrutivo-crônica.
A American Heart Association (AHA) acaba de publicar um boletim no qual reconhece que o narguilé é usado por milhões de pessoas no mundo. Considera que a adição de sabores de balas e frutas ao tabaco e o ambiente das redes sociais criaram um cenário favorável à disseminação entre os adolescentes e ao conceito falso de que o compartimento com água pelo qual circula a fumaça aspirada retém o material particulado associado aos principais malefícios do cigarro.
Outro pensamento mágico é o de que o narguilé não causaria dependência química, como se a fumaça inalada não contivesse nicotina, a mais aditiva das drogas conhecidas.
Segundo a AHA: “Acumulam-se evidências de que o narguilé altera, no curto prazo, a frequência cardíaca, o controle da pressão arterial, a oxigenação dos tecidos e a função vascular. O uso prolongado aumenta o risco de doença coronariana. Diversas substâncias nocivas (ou potencialmente nocivas) encontradas na fumaça do cigarro, também estão presentes no narguilé, frequentemente em níveis até mais altos”.
Uma metanálise conduzida em quatro países mostrou que o fumante que usa o narguilé uma vez por dia tem níveis urinários médios de cotinina (um metabólito da nicotina) de 0,783 mg/mL, os mesmos liberados por 10 cigarros.
A sessão típica de narguilé dura uma hora, na qual o fumante dá cem tragadas, em média. A quantidade de nicotina fumada é equivalente à de dois cigarros por dia, durante quatro dias. O fumante fica exposto a concentrações de monóxido de carbono 35 vezes mais altas do que as de um cigarro. É liberada no ambiente a quantidade de monóxido correspondente à de 10 pessoas fumando cigarro, ao mesmo tempo.