Há dois assuntos que dominam o debate da arbitragem antes do Gre-Nal 421. O primeiro deles é o uso do VAR. Depois de tudo o que ocorreu na Copa do Brasil, o recurso está mais do que nunca no centro da discussão. O que também se debate é o retorno de um juiz gaúcho ao comando de um clássico válido pelo Brasileirão. Nos últimos anos sempre foram colocados árbitros de fora do Rio Grande do Sul. Sobre tudo isso, conversamos com Anderson Daronco, que neste sábado (20) apita o sexto Gre-Nal da carreira.
Qual a expectativa para mais um Gre-Nal?
É uma satisfação muito grande sempre poder estar no maior jogo do nosso Estado. Uma partida que a gente sabe que para o Rio Grande do Sul, em termos de atenção, pela forma com que os torcedores lidam com esse jogo. Fico orgulhoso de fazer parte dessa história também. Com orgulho e satisfação de saber que tenho a confiança das pessoas que são responsáveis pela minha designação para esse jogo.
O teu primeiro Gre-Nal foi no Brasileirão de 2014. O clássico deste sábado retoma a discussão sobre a utilização de um árbitro local em um duelo válido pelo Campeonato Brasileiro. O que muda para você o fato de ser gaúcho neste Gre-Nal de campeonato nacional?
Não muda nada. Claro que a gente sabe que, às vezes, pelo caráter decisivo, os Gre-Nais do Campeonato Gaúcho, tendem a ser um pouco diferente no nível de disputa. Claro que quanto maior o número de clássicos que eu tiver a oportunidade de apitar na minha carreira, serão muito bem-vindos. A gente entende sim o discurso das pessoas, e principalmente dos dirigentes das duas equipes, que às vezes sugerem uma arbitragem de fora, até para blindar o profissional daqui. Ou para que quem venha de outro Estado não esteja sujeito às pressões do dia a dia. A gente sabe que o Gre-Nal sempre começa uma semana antes do jogo em si e muitas vezes ele não termina no apito final. Muitas vezes, para tentar se evitar esse tipo de situação, as pessoas acabam sugerindo árbitro de fora. Não que a qualidade do árbitro daqui ou do de fora seja diferente, mas até por uma espécie de preservação. Para que o profissional esteja "mais tranquilo". Mas também já estamos forjados nesses jogos, clássicos de Campeonato Gaúcho, e não muda nada essa rotina diária pré e pós-jogo.
O que muda o fato de ser um Gre-Nal pelo Brasileirão?
Muitas vezes, os Gre-Nais de Campeonato Gaúcho são decisivos e isso tem um componente emocional que se potencializa em relação aos de Brasileirão. A não ser que seja uma partida muito decisiva para as pretensões das duas equipes, (os clássicos pelo campeonato nacional) tendem a ter um caráter decisivo menor. Porém, o caráter de rivalidade e de nível de disputa é sempre o mesmo. O Gre-Nal pode ser amistoso ou praticamente valendo nada e é como se fosse o último jogo da vida para jogadores, dirigentes e todos que acompanham.
Você tomou conhecimento sobre as coisas que aconteceram nos jogos da dupla Gre-Nal no meio de semana, e as coisas que foram ditas depois? De que forma o árbitro lida com essas informações na semana do clássico?
Eu procuro ficar distante de tudo. O que facilita é que estava designado em um jogo em Buenos Aires, pela Copa Sul-Americana, entre Argentinos Juniors e Colón. Eu já tenho por hábito sempre me distanciar de todo tipo de comentário quando estou designado para um jogo de grande porte, para que eu chegue tranquilo no jogo, até para não chegar contaminado por discursos e acontecimentos. Procuro fazer o melhor trabalho possível. É claro que a gente acaba acompanhando o que aconteceu em algumas partidas no sentido de saber resultados e saber como foram, mas isso jamais deve impactar a atuação do árbitro para uma partida futura.
De que forma você está acompanhando a evolução do VAR e como encara o fato de ter que apitar um Gre-Nal de Brasileirão com árbitro de vídeo?
Primeiro, a gente entende e acaba acompanhando muitas vezes o que acaba saindo na própria imprensa, seja no discurso dos jornalistas, dirigentes e torcedores. Há uma certa falta de paciência. É uma ferramenta que veio para ajudar, mas não se pode esperar um milagre da noite para o dia. Isso requer uma prática e treinamentos. Muitas vezes, esses treinamentos são o próprio jogo. Requer acertos e requer erros, que acabam ensinando quando as coisas não vão bem. A gente procura não cometer os mesmos equívocos. É uma ferramenta complexa de ser utilizada. As pessoas pensam que é uma imagem ou é um robô que está lá atrás, mas continua sendo um ser humano. É um processo em que estamos caminhando.
Está somente na décima rodada de Brasileirão e com algumas partidas de Copa do Brasil. Já evoluímos bastante em relação às nossas primeiras experiências com o uso da ferramenta. A partir do tempo em que os anos forem passando, óbvio que vamos chegar a um nível maior de aceitação do que temos agora em relação ao uso do VAR. Nada que atrapalhe o andamento do nosso trabalho, pois quem é do meio da arbitragem sabe que as coisas são feitas com correção e com o conhecimento de que estamos lidando bem. Já da minha parte, obviamente que o discurso sempre é tentar ao máximo não fazer o uso da ferramenta. Que ela seja apenas um seguro para o árbitro. Que não seja uma bengala para o árbitro no campo. As próprias instruções da CBF e da Conmebol são de que o árbitro tenha atitude e tenha tomada de decisão correta no campo. Isso acaba aliviando pressão na cabine e facilitando o trabalho desses componentes da equipe de arbitragem para quando eles tenham que atuar.
Sabemos que existem lances muito complexos no futebol e coisas que são difíceis de perceber com correção. Para isso, a ferramenta está aí, veio para ficar e podem ter certeza de que vamos aprimorar cada vez mais o uso.
Será que o mundo do futebol está preparado para aceitar a mudança cultural que o VAR está provocando?
Eu confesso que acho que não. É uma opinião pessoal minha. Os reflexos dessa transformação nós vamos sentir ali na frente. Estamos mudando de uma geração na arbitragem em que se atuava de uma forma e agora precisa ser de outra. Os jogadores atuavam de uma forma e agora precisam estar adaptados a atuar de outra. Toda essa mudança e esse impacto que o uso da ferramenta causa só será entendido ali na frente. Os torcedores dizem que isso vai acabar com a dinâmica do jogo e que para demais. Com todo respeito, paciência. É o preço que se tem que pagar pelo que se busca. As pessoas já não aceitavam mais um erro aqui e outro ali por interpretação ou por estar mal posicionado. Situações que pela dificuldade da função de ser árbitro de futebol, a gente acabava entendendo, mas os torcedores, jogadores e dirigentes acabavam não entendendo. Para se buscar cada vez mais esse alto índice de acerto e se buscar a justiça, isso tem um preço. Haverá gols que serão comemorados e serão retirados, haverá gols que não serão comemorados no momento e serão comemorados depois. Como disse, é o preço do praticamente 100% de acerto. Os torcedores tem que se adaptar e, como disse, creio que logo ali na frente todos estarão acostumados com isso.