Estávamos no Sala de Redação especial, no Centro de Imprensa do Lusail Stadium, quase enlouquecendo os árabes com a nossa gritaria de praxe, após a estreia vitoriosa da Seleção Brasileira sobre a Sérvia na estreia da Copa do Mundo. A reportagem nos interrompia a todo instante, como tem de ser, pois os jogadores estavam passando na zona mista.
Um 2 a 0 convincente, imantado de segurança defensiva apesar da escalação com quatro atacantes de origem: Raphinha, Neymar, Vinícius Jr. e Richarlison. O assunto era o tornozelo de Neymar, que mais parecia uma bola de futsal na saída do campo de tão inchado.
A cena esperada com ansiedade era a caminhada de Neymar pela zona mista, de chinelos, porque daria para ver o tornozelo. Depois que ele se foi mancando e macambúzio, espalhando incertezas, antes de começarmos as teses sobre o seu substituto, se Rodrygo ou Lucas Paquetá, interrompi o relato do Rodrigo Oliveira do jeito mais inesperado possível:
— E o tornozelo do Casemiro, como está?
O Rodrigo levou um susto, pois o camisa 5 do Manchester United saíra impávido colosso do gramado, após percorrer 10 quilômetros, a maior distância entre todos os jogadores.
No Sala funciona assim. Você tem de introduzir um assunto com algo que chame a atenção para não ser atropelado. Perder Neymar hoje é muito menos preocupante do que foi em 2014 e menos preocupante do que tê-lo descontado em 2018. Opções a ele floresceram. Mas perder Casemiro seria a tempestade no deserto.
Foi o que eu disse no Sala em 2018, na Rússia, quando ele levou o segundo cartão amarelo e desfalcou a Seleção contra a Bélgica. O Brasil ruiu. Sem o seu protetor, Marcelo não viu a bola quando Lukaku foi ao lado. O meio-campo virou terra sem lei. O reserva de Casemiro aqui em Doha é Fabinho, e não o azarado Fernandinho daquele 2 a 1. Menos mal. Casemiro é o alicerce. Se ele fraquejar, desaba o prédio todo.
Sua capacidade de marcação, o tempo certo do bote, os atalhos, a inteligência para interceptar uma linha de passe às vezes sem sair do lugar na hora do contra-ataque inimigo, a precisão do lançamento longo, tudo em Casemiro na arte de defender é impressionante.
E há o lado mental. Ele não se abala com nada. Tudo bem que o sistema defensivo começa lá na frente, mas tire Casemiro do seu lugar, sempre atrás da linha da bola, para ver o que acontece. Desanda tudo.
Filipe Luís, do Flamengo, o apelidou de “aspirador”, por limpar sujeiras de quem é desarmado ou erra passe. E com direito a golzinho de vez em quando.
Na final de 2017 da Champions League, uma das cinco que conquistou, disparou um golaço de fora da área, contra a Juventus. Só 10 brasileiros fizeram gol em final de Champions. Casemiro é um deles. Somando base, são 25 títulos, quatro deles mundiais: sub-20 com a Seleção e três de clubes, com o Real.
Então porque Casemiro não é festejado como Neymar? Pela nossa incapacidade cultural de ver virtudes de craque em jogadores assim, vitais — vitais mesmo: sem eles, a morte — na hora de defender.
Ainda que as orações sejam pela volta de Neymar, vale um insha’allah (que Deus queira, em árabe) para que Casemiro, o aspirador, o alicerce, mantenha calcanhares e joelhos intactos contra os suíços. Por que, sem Casemiro, tenho medo.
A vitória do tanto faz
Sem Neymar e Danilo e com Lucas Paquetá indisposto e algo febril, crescem as chances de Rodrygo por dentro e Fred ao lado de Casemiro. Seria uma formação capaz de suportar o veterano Daniel Alves em vez do viço Éder Militão, pela maior aptidão para marcar no meio.
Tite quer mexer o menos possível na estrutura do time, variando apenas a característica dos jogadores. Diz que isso dá segurança aos jogadores para repetir movimentos. Por isso o fato de exercer muitas funções foi decisivo na escolha dos 26 convocados. Casemiro afirmou que Paquetá, por exemplo, pode jogar de volante, meia, ponteiro e falso 9 em ótimo nível.
Para o jogo com os suíços, que tocam bastante a bola - esqueça aquela ideia de ferrolho e bumba meu boi: isso é passado - penso que o ideal seria Paquetá (inteiro, sem febre, claro) no lugar de Neymar. Ele, Casemiro e Fred formariam um tripé de meio de muita com qualidade na posse de bola, trabalhando até Raphinha, Richarlison e Vini Jr.
Não será fácil para Tite explicar a ausência de Daniel Alves por motivos óbvios, mas Militão passa de longe de invenção. No amistoso contra Gana, que está na Copa, Tite usou Militão na lateral direita e fez 3 a 0, fora o baile. O fato que, contra a Suíça, tanto faz.