Ele mal tinha assumido a Federação Gaúcha de Futebol (FGF) quando a pandemia fez a bola parar de março daquele ano a julho. O mundo e mais um pouco desabou sobre os seus ombros. Pedidos de auxílio em dinheiro. Protocolos sanitários inéditos e de complexa execução para abrir estádios. Regras em caso de surto. Compra de testes. Vetos municipais de última hora para jogos já marcados. Primeira, segunda e terceira ondas de covid-19. Medo de mortes. Desemprego. Negociações com o Piratini. Renovação com a Globo – a da TV aberta está em andamento; a do pay-per-view vai até o fim de 2023.
Tudo após 16 anos de Francisco Novelletto, personagem experiente e respeitado. Luciano Hocsman era o seu vice, mas o grande público não o conhecia. Talvez não o reconheca até hoje, pelo jeito quietão. Tinha tudo para dar errado, mas este advogado gremista de 49 anos vestiu a armadura da resiliência e manteve o trem nos trilhos. Esta semana, a FGF lançou um projeto para socorrer o Interior. Para onde irá o Gauchão 2023 no último ano de mandato de Hocsman, o sobrevivente?
O que é o Projeto Conhecer?
Tínhamos em mente desde o começo da gestão, mas a pandemia impediu. Fizemos uma pesquisa entre os torcedores para entender o que os movia no futebol gaúcho. É um braço do FGF Conecta, nossa plataforma de gestão. Buscamos especialistas que se complementassem com experiência no futebol, entre teóricos e práticos. O norte é aproximar a FGF do Interior, mas invertendo a mão. Em vez deles nos procurarem, nós iremos até eles. Será uma imersão. Ao fim, entregaremos um relatório de gestão com sugestões para cada um. E nós conheceremos os seus anseios para ajudá-los. As viagens começam nesta segunda-feira (10) e vão até um pouco antes da Copa. É caravana mesmo.
Fiquei sem dormir. Engordei de pura ansiedade. Uns 12 quilos. Fui de 72 quilos para 82 ou 85 quilos
LUCIANO HOCSMAN
Presidente de FGF
Qual o momento mais dramático durante a pandemia?
Foram dois. Primeiro, quando ultrapassamos os 15 dias de suspensão. Parecia algo distante, lá de longe, que daria para resolver como a gente sempre resolve. Deu um baque quando caiu a ficha da gravidade. E, depois, a primeira rejeição ao nosso protocolo sanitário. Quando batemos no Governo Estadual e veio o "não", por um instante pensei: acabou.
A sua vida pessoal foi atingida de que maneira? Chegou a tomar remédio para dormir?
Fiquei sem dormir. Engordei de pura ansiedade. Uns 12 quilos. Fui de 72 quilos para 82 ou 85 quilos. Já baixei um pouco, mas aindo estou remando (risos).
Brasil-Pel e Juventude caíram. São José e Ypiranga, quase. O Caxias segue na Série D. A pandemia dizimou o Interior?
Não dizimou, de forma alguma. Se formos examinar, o Juventude subiu na pandemia. Caiu agora, mas antes subiu. O Brasil-Pel já vinha com dificuldades, agravadas pela pandemia, mas não está na Série D pela covid-19. É óbvio que os menores sofreram mais do que os grandes, pela capacidade de recuperação do clube de massa. O Grêmio não caiu pela pandemia, por exemplo. O Inter beliscou aquele Brasileirão durante a pandemia.
Os Estaduais correm risco se vier a Liga, em nome de folga no calendário?
Não vejo os Estaduais como o vilão do calendário. Se entender que só tirar o Estadual é a solução, será o mesmo que começar a casa pelo telhado. Será matar a nascente do Rio. O futebol brasileiro é um ecossistema único no mundo, que precisa ser compreendido. O Estadual é importante para o surgimento de jogadores que lá na ponta brilharão na Seleção durante uma Copa. Não pode fazer 60 jogos, mas 50 pode? Resolveria? Temos de sentar e conversar.
Não vejo os Estaduais como o vilões do calendário
LUCIANO HOCSMAN
Presidente de FGF
O senhor foge do estereótipo do cartola. É timidez, temperamento ou estratégia?
Não sei se existe esse estereótipo. Tenho o meu jeito de viver, profissional e pessoal. Sou tímido, sim. Não por estratégia, mas talvez até ajude. Dirigente é que nem árbitro: quando não aparece é porque está indo bem. A exposição não é uma ferramenta de gestão. Vou até onde posso ir. Tenho uma veia inibidora que me faz não ultrapassar certos limites. O sucesso de um clube é mérito do clube. É arrogância achar que um título de Grêmio ou Inter é obra da federação.
O que precisa melhorar no Gauchão das Gurias?
Temos de dar jogo e condições de treinamento. A primeira fase ainda teve muitas goleadas, mas o nível de competição aumentou. Nossa ideia é que elas joguem sempre nos grandes estádios, mas isso não depende da FGF. Poderíamos acordar, via congresso técnico, que ao menos os grandes jogos sejam nos estádios principais.
Acho que mereço um mandato tranquilo sem essa loucura que foi a pandemia
LUCIANO HOCSMAN
Presidente de FGF
Seu mandato termina no fim de 2023. Será candidato à reeleição?
Pretendo. Depende mais de quem tem o poder da escolha, que são os clubes, do que de mim. Entre o meu desejo e a construção de uma candidatura vai uma distância. Mas acho que mereço um mandato tranquilo sem essa loucura que foi a pandemia.