Jorge Macedo, 43 anos, passou por toda as funções de coordenação possíveis no Beira-Rio, até ocupar o cargo de executivo de futebol em duas ocasiões, a última na Série B, em 2018. Trabalhou no Fluminense, Vitória-BA e, desde dezembro de 2019, assumiu no Ceará.
Lá, no naco de Brasil mais perto da Europa, que é a cidade de Fortaleza, formou uma tropa gaúcha. Além dele e de André Luiz, auxiliar do técnico Guto Ferreira, são oito oriundos da Província de São Pedro. Os mais famosos são Rafael Sobis e o goleiro Fernando Prass, mas tem o zagueiro Eduardo Brock, ex-Brasil-Pel, e Bergson.
Campeão da Copa do Nordeste sobre o Bahia, o Ceará estreia no Brasileirão neste sábado, diante do Sport. Bahia e Fortaleza vêm crescendo no cenário nacional, com gestão, novas ideias e salários em dia. O Palmeiras acaba de repassar ao Ceará 550 mil euros (R$ 3,5 milhões) pela venda de Arthur Cabral ao Basel-Sui. O atacante é cria da base do Vozão, como é chamado o Ceará pela torcida. Há um fenômeno silencioso aí ou é só fase? O mapa do nosso futebol está se redesenhando? Eis meu papo com Jorge Macedo.
Quais as diferenças entre gerir o futebol de um clube do Sul, como o Inter, e o Ceará?
São regiões bem distintas, de culturas diversas. O clube tem um orçamento mais reduzido, que te impõe o desafio de garimpar jogadores baratos, ou até descobri-los, para valorizá-los. Outra questão é a logística. Viajaremos 82 mil quilômetros durante o Brasileirão, contra 22 mil dos times de Rio e São Paulo. Com a nossa malha aérea, mesmo em voos fretados, é um baita complicador. Só teremos três viagens normais, contra Fortaleza, Sport e Bahia. Nas outras, teremos de sair de casa dois antes. Com rodada atrás de rodada, é um prejuízo.
Qual o orçamento e a folha salarial do Ceará?
Projetamos o ano de 2020 com R$ 100 milhões (em 2019, a arrecadação do Inter foi de R$ 441,3 milhões, e a do Grêmio, R$ 421 milhões). Em salários, no total, pagamos cerca de R$ 3 milhões mensais (Grêmio e Inter, com variações, oscilam entre R$ 8 milhões e R$ 10 milhões). Mas é importante ressaltar que o Ceará vem pagando rigorosamente em dia. No dia 28, sem falta, cai na conta de todos.
O que mudou no clube?
Temos um presidente jovem, o Robinson de Castro, que radicalizou na profissionalização, buscando gestores para várias áreas. O Ceará chegou a 25 mil sócios em dia, criou uma marca própria de material esportivo que fatura em 100% da vendas, trabalha práticas de match day como drive in para ver os jogos. Refeitório e vestiário foram reformados. A área do CT da base, depois de muitos anos, finalmente foi adquirida pelo clube. São seis campos lá. Esses três anos seguidos na Série A é um feito inédito no Estado.
E os reforços?
Essa foi uma mudança importante. Em vez de montar dois times, um mais barato, para o Estadual, e outro mais caro, para o Brasileirão, projetamos a temporada como um todo, com um grupo desde o início. Subimos oito da base e contratamos 16 jogadores.
A profissionalização está restrita a Ceará, Fortaleza e Bahia ou é um fenômeno mais amplo?
Está acontecendo em todo o Nordeste. Claro que esses clubes estão mais adiantados, porque começaram antes, mas o Náutico está voltando aos poucos, assim como o próprio Santa Cruz, apesar da derrota no Campeonato Pernambucano. No Pará, o Paysandu, especialmente, tem um projeto interessante de retomada de protagonismo. Em todos eles, a profissionalização é o carro chefe. Quando o Robinson assumiu, em 2015, até a luz e a água estavam atrasadas.
É cedo para ver clubes nordestinos incomodando grifes como Botafogo ou Vasco, que parecem ter parado no tempo?
Não é absurdo, não. É bem possível. Já tem acontecido, inclusive. Bahia e Fortaleza pegaram Sul-Americana no ano passado. O Bahia chegou a sonhar com Libertadores. Não será algo imediato, mas a distância diminuiu. Aquele desenho de 13 grandes clubes muito à frente, dos anos 1980, não existe mais.
Até onde o Ceará pode ir no Brasileirão?
Nossa meta ainda é fazer um campeonato tranquilo. Mas já não descartamos um passo adiante. A zona intermediária da tabela é real para o Nordeste, em vez de só brigar para não cair. O título da Copa do Nordeste mostrou isso para nossa equipe.