A Seleção Brasileira mais uma vez aterrissou na Província de São Pedro e, como era de se esperar, agitou uma semana maluca de frio e calor em Porto Alegre, não necessariamente nesta ordem. Chegou com temperatura de Nordeste e jogou como se estivesse em São José dos Ausentes.
Se os servidores estaduais não sabem como levar a vida recebendo salário a conta-gotas (essa da primeira parcela de R$ 350 é inacreditável), os jogadores tinham dúvidas entre camiseta ou agasalho, tais as variações térmicas fulminantes.
Leia mais:
Na despedida da Seleção em Porto Alegre, menino dribla segurança e abraça Neymar
Thiago Silva aproveita a folga para rever amigo Roger Machado
Em recuperação de lesão, Geromel perde a vez na Seleção Brasileira
Uma montanha-russa de emoções, mas não apenas pelo termômetro histérico. A passagem da caravana brasilis nem foi tão longa assim, mas nos deixou algumas certezas para a Copa da Rússia, além de propor um debate importante e escancarar problemas da capital gaúcha. Há farto material, portanto. Tentei resumir tudo em cinco pontos.
1) MISSÃO CUMPRIDA
O Brasil venceu o Equador por 2 a 0 e abriu histriônicos 11 pontos de vantagem sobre a Colômbia, segunda colocada. O resultado obtido na Arena garantiu o título simbólico de campeão das Eliminatórias com três rodadas de antecipação. Nada mal para quem, como Tite, foi chamado com a água batendo no pescoço, à beira do afogamento. Havia, sim, risco de se ampliar o fiasco do 7 a 1 para algo pior – perder a condição de único país presente em todas as Copas. Vieram as nove vitórias seguidas nas Eliminatórias, com uma superioridade arrasadora há tempo não vista sobre os adversários, com direito a 3 a 0 na Argentina, no Mineirão, e 4 a 1 no Uruguai, em Montevideo. Em Porto Alegre, o desfecho: vaga na Rússia como primeiro do continente.
2) HABEMUS TIME
A geração não era ruim. O que faltava era alguém para guiá-la. Ninguém mais fala em Neymardependência. Mesmo com Neymar em campo, o resultado contra o Equador só veio quando Philippe Coutinho entrou, a 17 minutos do segundo tempo. Neymar é craque, do tamanho de Rivellino, Ronaldinho, Romário, Ronaldo Fenômeno – mas as alternativas estão aí. Gabriel Jesus, o falso 9. Paulinho, volante que entra na área e faz gol. Muito da sua ida ao Barcelona se deve à Seleção. Quando tudo parece desarrumado na recomposição do 4-1-4-1, Casemiro corta caminho entre as linhas e intercepta a transição adversária. É um corretor de texto: a escrita sai sempre limpa. Daniel e Marcelo, de laterais faceiros com outros técnicos, agora harmonizam defesa e ataque sem desafinar. O nome disso é time: o titular, para a Rússia, é o da foto oficial da Arena – com Coutinho no lugar de Willian.
3) NOVO CAPÍTULO
Retomada com folga a hegemonia sul-americana nas Eliminatórias e sem Copa das Confederações para medir forças as principais seleções da Europa, restam os amistosos na preparação rumo à Copa do Mundo. O pós-Arena deixou isso muito claro. Em março, a Seleção Brasileira enfrentará a temida Alemanha, em Berlim. Não é às ganhas, valendo ponto, mas ainda assim será muito importante para ver se o Brasil já pode ser leão também na Europa, e não apenas no quintal do continente. Vencida a primeira parte com louvor – a da vaga antecipada na Rússia –, o segundo capítulo da missão de Tite é: testar o time contra os europeus, se as datas Fifa deixarem.
4) PÚBLICO RUIM
Vamos combinar que 36 mil pessoas para ver uma Seleção que vinha patrolando e cheia de atrações – Tite, Neymar, Coutinho, Gabriel Jesus, Luan – é um fiasco. A tese de que gaúcho se esgota na rivalidade Gre-Nal e não está nem aí para a Seleção não se sustenta. Nem a ideia de que era amistoso, pela vaga antecipada na Copa. Em 2013, na mesma Arena, aí sim sem valer nada, contra uma França desfalcada, o público bateu em 51.643 pagantes. Renda: R$ 6,7 milhões. Quinta-feira, com bem menos gente (36.869 pessoas), a renda foi maior (R$ 7,8 milhões). A explicação grita: ingresso caro. Em 2013, o bilhete mais barato saía por R$ 60, atrás da goleira norte. Desta vez, R$ 160. Quando este setor se esgotou, sobraram só espaços entre R$ 280 e R$ 800 – em fim de mês. A CBF cresceu demais o olho. E, para completar, tem o drama do entorno da Arena.
5) O ENTORNO DA ARENA
Não importa de quem é a culpa, se da prefeitura ou da OAS. O ex-secretário João Bosco Vaz adverte que o poder público até esboçou obras, mas o MP proibiu alegando que a contrapartida era da empreiteira. O fato é que a população sai perdendo. A Arena não é só do Grêmio, mas da cidade. Assim como o Beira-Rio é do Inter e de Porto Alegre. São estruturas multiuso, concebidas para receber uma infinidade de eventos. Não faz sentido o sujeito se desestimular só de pensar na chatice que é chegar e sair da Arena, por falta de opções viárias. Teve gaúcho deixando o estádio a 35 do segundo tempo, sem ver Luan em campo. Dá para condená-los, apesar da imagem de aparente desdém com a Seleção? É isso ou morrer nas filas quilométricas de carros. O entorno da Arena tem de ser resolvido. Não em nome só do Grêmio, mas da cidade.