Outro dia, estava em uma sala de espera e um rapaz de, sei lá, uns 15 anos de idade, levantou-se do lado da mãe, que o acompanhava, e foi até uma mesa onde havia uma garrafa térmica. Ele assestou um copo de plástico debaixo da garrafa, pressionou a tampa e de lá saiu um jato preto e quente de café. Reparei que o jovem não adoçou o café. Bebeu um gole puro, de pé, ao lado da mesinha e, depois de fazê-lo, estalou os lábios e gemeu:
— Hmmmmmmm...
Foi um gemido longo, de longo prazer. Ele havia gostado muito daquele café. Com o copinho entre os dedos, caminhou até onde a mãe estava e comentou:
— Que café delicioso!
Tive vontade de me levantar e ir pegar um café para mim, mas me contive. Não queria beber café em copo de plástico. Não é esnobismo, juro, na redação da Zero Hora eu passava as tardes bebendo café em copo de plástico. Foi com um copo plástico de café nas mãos que testemunhei aquela cena histórica que está fazendo aniversário agora: foi em 16 de fevereiro de 1996. Ou 97.
Havia, na redação, uma moça linda que adorava quindim. Ela comia muitos quindins, comia sempre e com volúpia. Quindins bem fornidos, translúcidos, amarelos, brilhantes, de aspecto cremoso e sedutor. Eram quindins realmente ótimos, e ela os comia sempre. Só que todas aquelas calorias, açúcar, gema de ovo e tudo mais, estavam produzindo efeitos no corpo da moça: ela estava engordando. Não estou julgando, talvez ela até quisesse engordar, não sei. Só sei que, uma tarde, nesse 16 de fevereiro, ela se transformou de uma mulher magra em uma mulher, digamos, corpulenta. Não me acusem de gordofobia, não estou dizendo que é ruim nem nada, apenas relato um fato: naquela tarde, ali, no bar da redação, ao morder um quindim, ela mudou de condição. Deixou de ser magra.
O que me interessa, no caso, não é o peso da moça ou sua beleza ou qualquer coisa assim: é a mudança de um estado para outro. Porque chegará o dia em que você ficará velho, por exemplo. Era jovem ontem, hoje envelheceu.
Há um momento em que isso acontece. Esse momento é que é fascinante. Pois vi minha colega subir um degrau, ao consumir aquele belíssimo quindim. De um minuto para outro, ela ficou mais possante, mais reforçada, não era mais uma magrinha.
Vi também quando eu mesmo envelheci. Uma manhã, me olhei no espelho e constatei: pronto, fiquei velho. E nunca mais desenvelheci. Já a moça da Zero talvez tenha emagrecido, o que é bem mais fácil de se fazer.
Em todas essas coisas pensei ao ver aquele rapaz tomando cafezinho no copo de plástico. Notei que as pessoas em volta também tinham reparado no entusiasmo dele com o café e que elas se levantavam e iam se abastecer.
Só eu fiquei sentado, olhando, desejando ter uma xícara e um pires de louça branca para sorver o cafezinho que parecia tão maravilhoso. Naquele momento, pensei: isso sim é coisa de velho! Ora, veja, privar-se de um prazer desses por não haver xícara de louça! Ridículo! Elitista, até! Se não pensasse assim, talvez não tivesse me visto envelhecido no espelho, naquela manhã. Assim como a moça do quindim. Quem diz que ela se achou robusta depois daquele 16 de fevereiro? Ou, o principal: quem diz que ela se incomodou com isso? Ela queria os quindins, os quindins a faziam feliz e ela fez bem em comê-los todos com sofreguidão.
Resolvi que ia tomar o café no copinho de plástico. Levantei-me, decidido. E já ia para lá, quando a secretária me chamou: era a minha vez. Fiquei sem o cafezinho. Porque fui lento. Velhos são lentos.