Comprei o livro Roberto Carlos em Detalhes pouco antes de ele ser censurado. Os advogados de Roberto dizem que não foi censura, que houve um acordo judicial; mas foi, sim. Esbirros retiraram os volumes das prateleiras das livrarias como se estivessem contaminados pelo coronavírus, faltou apenas atirá-los na fogueira das vaidades, como fazia Savonarola em Florença.
Depois, seguindo o caminho do Rei, antigos libertários, como Chico Buarque e Caetano Veloso, lideraram um movimento a favor da censura chamado Procure Saber. Foi chocante vê-los decair a tal ponto. Logo eles, que tinham sido presos e exilados no tempo da ditadura militar; logo Caetano, que cantava que era proibido proibir; logo Chico, que cantava que amanhã seria outro dia.
Os artistas alegavam que queriam se proteger dos “aproveitadores”, sobretudo os que atuam na internet. Não muito diferente dos argumentos dos militares, que também usavam a proteção contra aproveitadores como justificativa para a censura nos anos 1970.
A pergunta que resta é: que aproveitadores devem ser censurados? E a resposta é: os aproveitadores que nos incomodam. Nós, se formos classificados de aproveitadores, poderemos clamar: liberdade, liberdade, abre as asas sobre nós.
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É assim mesmo que funciona. Quando é a meu favor, são os meus direitos; quando é contra mim, é abuso alheio. Quem tenta analisar com independência a política brasileira percebe isso com clareza. Os dois extremos, bolsonaristas e petistas, fazem interpretações exatamente iguais da realidade. Ambos, diante da crítica, esquecem a crítica e atacam o crítico. Ninguém, para bolsonaristas e petistas, discorda deles com boa intenção. Discordou deles, é canalha.
O que se deve fazer diante disso?
Coisa alguma.
Deixe estar, como diriam os Beatles.
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Mas, voltando à biografia do Rei, tenho-a há 14 anos e ainda não a havia lido. Decidi fazê-lo agora, em meio às introspecções do confinamento. E deparei com algo admirável sobre Roberto Carlos, além da afinação da sua voz: sua poderosa obstinação.
Paulo César de Araújo, o autor do livro, descreve por dezenas de páginas a espantosa capacidade de absorção de reveses de Roberto Carlos.
Ele avançou de fracasso em fracasso, caindo uma vez e outra e mais outra, levantando-se só para cair de novo.
Roberto Carlos foi rejeitado por praticamente todas as rádios e gravadoras do Rio de Janeiro. Integrantes do grupo da Bossa Nova, como Roberto Menescal e Ronaldo Bôscoli, o rechaçaram sem piedade, mandando que ele, literalmente, procurasse outra turma. Sem dinheiro, o futuro Rei foi trabalhar como datilógrafo numa repartição pública e, nos finais de semana, cantava em circos, alguns com a lona furada. Em várias dessas apresentações circenses, Roberto cantava para menos de 10 pessoas. Numa dessas, como não havia amplificador, ele se valeu de um megafone para ser ouvido. Um dos homens da plateia, irritado com a falta de qualidade do show, atirou um mamão no cantor, atingindo-o em cheio no rosto.
O sucesso que Roberto tanto procurava só foi chegar com o lançamento do programa da Jovem Guarda na TV. Ainda assim, ele foi a quarta opção dos diretores da emissora!
Roberto Carlos passou por tudo isso praticamente sem reclamar e sem se deixar seduzir pela amargura, com um bom humor e um otimismo quase que inexplicáveis. A vitória de Roberto Carlos foi improvável e só aconteceu por insistência, só aconteceu porque ele queria muito.
É uma lição de resiliência. E é assim que tem de ser. Confinamento? Medo do vírus? Da falência da economia? Não se abale.
Siga em frente e siga sorrindo. Talvez, um dia, você se transforme em rei.