Como farei para contar no jornal uma história com nomes feios? Não aprecio vulgaridades, não concordo com quem diz que falar palavrão é ser autêntico. Tentarei não chocar os leitores. Vamos lá.
Essa história se passa em Criciúma, onde trabalhei algum tempo. Na época, a cidade brandia o título de Capital do Carvão, por ter muitas minas em seu território. O trabalho de mineiro é duro e perigoso, sobretudo para os que se imiscuem terra adentro a fim de extrair o carvão. Diz-se que esses "baixam a mina".
Quando exercem atividades de risco, as pessoas criam vínculos fortes, tornam-se irmandades. E, como todas as irmandades, desenvolvem linguagem e formas de tratamento singulares. No caso dos mineiros, aquele que baixa a mina ganha um apelido já no primeiro dia de trabalho. Não é algo comum, inspirado em particularidades físicas, tipo "Zoreia" para quem tem orelha grande ou "Aqui-tá-raso-aqui-tá-fundo" para os coxos. Nada disso. Os mineiros são chamados pelos outros mineiros por pedregosos, imundos, cabeludos palavrões.
Um desses mineiros foi rebatizado pelos outros de "Meu p… no teu c…". Você entende a razão das reticências. Pois bem. Um dia, o presidente da mineradora foi visitar a mina. Era ele o engenheiro Jacy Fretta, um senhor muito respeitado na cidade. Os mineiros se perfilaram para recebê-lo e ele foi cumprimentando um a um, até que chegou no "Meu p… no teu c…". Simpático, sorridente, Jacy Fretta apertou a mão do trabalhador e, depois de breve diálogo, perguntou:
— Qual é o teu apelido embaixo da mina?
Os outros mineiros olharam para ele, divertidos. "Meu p… no teu c…" ficou vermelho:
— Ah, não posso dizer, seu Jacy…
— Claro que pode, meu filho. Estou acostumado…
Os mineiros riam à socapa. "Meu p… no teu c…" gaguejava:
— N-não, seu Jacy… É… é muito feio…
— Pode dizer, meu filho!
Acuado, o mineiro engoliu em seco. Seu Jacy já estava se agastando, melhor seria falar de uma vez. Ele respirou fundo. E tascou:
— É…"Seu p… no meu c…".
Gosto dessa história. Não apenas por expor o poder da hierarquia estabelecida, a ponto de o trabalhador preferir ser currado pelo patrão a currá-lo, mas porque mostra a importância do apelido em um grupo humano. No caso dos mineiros, os apelidos servem como instrumento de descontração em um trabalho tenso, que pode ser até fatal.
Mas é claro que os melhores apelidos são os pejorativos, que servem de vingança para os mais fracos. Na Idade Média, os pobres não podiam fazer nada contra seus governantes, nem reclamar. Em compensação, os chamavam de coisas como Haroldo, "o Nojento", ou Henrique, "o Impotente". Tinha um que era Constantino V, o "Coprônimo". Kopros vem do grego e significa… cocô.
Só que, se você assimila o apelido, ele pode virar a seu favor. Se encarados com bom humor, os apelidos fazem bem aos apelidados. Dão-lhes personalidade. Olhe o meu amigo Potter. Se ele fosse só Luciano Lopes, seria um personagem menos interessante. Potter combina com a personalidade dele — é alegre e leve como o próprio Potter.
Antes, o futebol brasileiro era coruscante de apelidos. Garrincha. Pelé. Zico. Tesourinha. Didi. Vavá. Tostão. E tantos mais. Agora, os jogadores, não contentes com o nome de batismo, querem ser chamados pelo sobrenome. Éverton Ribeiro. Lucas Lima. Leonardo Moura. Não faz muito, o presidente do Vitória, Paulo Carneiro, proibiu apelidos no time. Potó, Manga e Farinha agora vão ser Ruan Levine, Matheus Augusto e Matheus Santana. Por favor! Não faça isso, presidente! Vai roubar a naturalidade dos seus jogadores. Vai lhes tirar algo que só eles têm. Mire-se no exemplo do melhor jogador brasileiro da atualidade, o Cebolinha.
A torcida ama chamá-lo de Cebolinha. Você percebe o prazer que o Galvão sente ao narrar "que jogada do Cebolinha!". Não seria o mesmo falar em "jogada do Everton". Não, Everton não faz jogada; Everton faz conta. Tem de ser Cebolinha. Sendo Cebolinha, o Everton vai se consagrar. Vai entrar para a história. Porque é muito mais criativo. Muito mais colorido. E, principalmente, muito mais brasileiro.