Suponho que, neste momento, você esteja sentado. Se estiver, sinta o contato do assento com suas costas, com suas nádegas, com suas coxas. Sinta a sola dos seus pés e o solo abaixo delas. Sinta a temperatura, se está quente ou frio. Sinta, com os dedos, a textura do jornal, do celular ou do laptop que segura. Veja o negro das letras contra o branco do papel ou da tela. E, com o canto do olho, observe o ambiente em volta, todos os objetos que o cercam. Ouça os ruídos no seu entorno, perto e longe. O cão que late. O carro que passa. O inseto que zumbe. Preste atenção nos movimentos do seu estômago e no peso da sua cabeça.
Roberto Carlos diria: são tantas sensações…
De fato, são. Mas você só teve consciência delas depois que pedi para senti-las. Antes, o seu corpo e a sua mente as estavam recebendo, mas não as estavam processando.
Ou as processavam, mas elas não eram escolhidas para vir à consciência. Estavam arquivadas.
Eis a questão.
Será que todas essas coisas que você sente não ficam registradas em algum lugar? Assim como as nossas experiências: tem gente que, sob hipnose, lembra-se de ocorrências que pareciam soterradas na memória. Outras alcançam o mesmo resultado por associação de ideias, na psicanálise. E há as que, tendo sofrido um trauma, apagam o que aconteceu.
Como é que você classifica e seleciona o conjunto de impressões que sente a todo momento? Que parte de você tem o poder de dizer o que é e o que não é importante para vir à superfície?
Immanuel Kant, o maior filósofo dos tempos modernos, escreveu sobre esses temas. Não teria capacidade para explicar aqui sua filosofia, nem ousaria isso, mas digo que Kant mostrou que nosso conhecimento da realidade e de nós mesmos não se faz só com a razão pura. Há camadas abaixo (ou acima) da inteligência.
O que nós chamamos de intuição, por exemplo. Você pressente que algo está errado ou que uma pessoa tem más intenções. Muitas vezes, você acha que é bobagem e descarta aquela impressão. Não devia. Porque o que você sentiu não é nada de transcendental, nada místico. Foi um conjunto de informações que o seu, digamos, subconsciente recebeu e que levou em consideração, tanto que lhe fez o alerta: “Cuidado!”.
Que informações são essas? São imperceptíveis à razão pura. Um gesto breve, um desvio de olhar, um acento diferente na voz, algo minúsculo que você não conseguiria descrever, se tivesse de explicar verbalmente, mas que são sinais claros para essa camada inferior da sua inteligência.
Essa “intuição” se formou, em parte, graças às experiências que você teve e, sem saber, acumulou. O jeito de falar daquela pessoa o inquietou porque, antes, outras pessoas, pessoas más, se comportaram da mesma forma. Mas, não raro, você é acometido por um agouro diante de um acontecimento absolutamente inédito. Ou então uma criança pequena se sente mal em um ambiente, ou na companhia de alguém, sem que nada lhe tenha sido feito para sentir isso.
Temos certos conhecimentos que existem antes da experiência e sob a razão. “A priori”, como gostava de dizer Kant, que consagrou esse termo, de tanto usá-lo.
Nietzsche assim falava, pela boca de Zaratustra:
“Por detrás de teus pensamentos e sentimentos, meu irmão, se encontra um poderoso senhor e um sábio desconhecido. Ele chama a si mesmo. Ele habita o teu corpo, ele é o teu corpo. Há mais razão em teu corpo do que em tua melhor sabedoria”.
Podemos conhecer esse senhor. Podemos desenvolver essas capacidades. Podemos empregar mais e melhor esse pedaço de inteligência que a razão pura e o materialismo cartesiano expulsaram da nossa consciência.
Outra peça importante nisso tudo que estou dizendo é a Marina Ruy Barbosa. Olhe para ela, observe-a, e você aprenderá o que Paulinho da Viola dizia que são “as coisas do mundo, minha nega”. Se você se detiver para examinar com critério a Marina Ruy Barbosa, pode encontrar pistas de Deus. Como? Contarei amanhã.