Eu agora durmo cedo. E, o mais surpreendente, gosto.
Dormir cedo é bom.
Há alguns anos, era impossível eu ir para a cama antes das duas da madrugada. Dias atrás, no Timeline, lembrei com doçura dos anos 1990, quando ficávamos acordados até as quatro, cinco horas TODAS AS NOITES. O Potter argumentou:
– Ah, tu tens nostalgia dos anos 1990 por causa da tua vida naquela época, não que a cidade fosse diferente.
Errado.
A cidade era diferente.
Havia muitos, muitos bares e restaurantes que ficavam abertos até o alvorecer, inclusive no meio da semana. Três e meia da manhã, batia a vontade de traçar uma picanha gorda com farofa, polenta frita e salada de batata? Sem problemas, podia ir ao Barranco, que o Chico o recebia com um sorriso no rosto e um copo de chope na mão.
Claro que a vida noctívaga também tem suas inconveniências. À noite, as pessoas mais estranhas rondam a cidade. Às vezes, depois de ser encurralado durante horas por algum chato em um bar, voltava para casa pensando: “Que desperdício de tempo… Por que não fiquei no recôndito do lar, lendo os clássicos?”.
Fazia isso aos finais de semana – sair aos sábados é para amadores. Aos sábados, ia ao supermercado que tinha ali perto e me abastecia com víveres. Podia ser algo simples. Por exemplo: uma baguete francesa, finas lâminas de presunto, um pedaço de queijo gouda, tomates gaúchos e azeite de oliva. Não precisa mais. Em casa, cortava fatias do pão da espessura de um dedo minguinho e as preparava como se fossem tapas, umas com presunto, outras com queijo, todas com uma rodelinha de tomate por cima e banhadas por um fio de azeite, às vezes salpicadas com pimentinha-do-reino ou temperadas com dois pingos de mostarda. Isso, mais um vinho tinto, um bom romance policial ou um denso filme de suspense na TV e, pronto, temos uma deliciosa noite de sábado pela frente.
Às vezes, sofisticava. Lembro de um sábado em que fiz o seguinte: já na sexta deixei um naco de bacalhau deitado em uma bacia de água, a fim de dessalgá-lo. No dia seguinte, depois do Jornal Nacional, aprontei o arroz e pus de lado. Em seguida, fiz um refogado com uma única cebola picada e três dentes de alho bem amassados. Acrescentei o bacalhau anteriormente desfiado. Quando o bacalhau ficou dourado como as pernas de Marina Ruy Barbosa ao sol das ilhas gregas, juntei quatro tomates vermelhos, depois tiras de pimentão também vermelho e, por fim, azeitonas sem caroço. Assim que a alquimia se tornou una e indissociável como o casamento de Tarcísio e Glória, joguei ali o arroz. Abri um vinho branco da serra gaúcha. Pus um filme antigo para rodar, Um Corpo que Cai, do velho Hitch. E fui feliz.
Hoje, até posso fazer essas coisas aos finais de semana, mas nos dias úteis não sou mais um profissional da noite.
Nos Estados Unidos, há uma expressão para essa necessidade de dormir cedo a fim de atender às necessidades da manhã seguinte: “school day”. Ou seja: dia de escola. Haverá escola no dia seguinte, então não dá para se esbaldar. Pois, como meu filho tem escola, não me esbaldo. Por volta das 10 e meia, vou para a cama, leio um livro e, aos poucos, sinto que o sono vem e vai tomando conta de mim e meus olhos vão fechando e o que está escrito vai perdendo o sentido. Então, fecho o livro, apago a luz do abajur, acomodo a cabeça no travesseiro e suspiro, sorrindo.
O calor dos cobertores me envolve e, lá fora, apenas o silêncio murmura. Às vezes penso que, naquele mesmo instante, há gente na rua, talvez bebendo, talvez rindo, talvez brigando, talvez amando ou desamando. Que se divirtam. Não os invejo. Estar aqui, quieto, quente e satisfeito, estar aqui comigo mesmo pode até não ser uma grande diversão, mas pode ser, e é, bom.