Hoje acordei sem nenhuma vontade de combater as injustiças. Quem é que disse que tenho que lutar contra os preconceitos? Não tenho. Não vou.
Você quer ser intolerante? Seja. Hoje não espetarei nenhum ponto de exclamação para censurá-lo. Hoje sou só reticências... Não escreverei desabafos, não farei protestos, não ficarei indignado. Não estou nem aí.
Hoje me deu vontade de fazer malvadeza. Quero que alguma vaca seja assassinada só para que eu coma um pedaço da coxa dela. Talvez beba além da conta, esta noite. E vou abrir aquela lata de leite condensado que tem ali no armário da cozinha e sentá-la no queixo e engolir pelo menos a metade.
Hoje eu não faço exercício de jeito nenhum. Pilates? Rio do pilates. Vou passar o dia contando piada politicamente incorreta. Portugueses, loiras, gays, papagaios, tremei!
À tarde, vou comprar revista de mulher pelada em um sebo que tem aqui perto. Ah, se conseguisse encontrar a Playboy da Tiazinha...
Não desfraldarei bandeiras, não farei campanhas, não cantarei hinos, não abraçarei causas.
Hoje estou me sentindo parte dos 3% que gostam do Temer. Quer saber? O Temer é um cara legal.
Educado. Escreve poesia. Tem bom gosto pra mulher.
Fica, Temer!
Hoje eu não vou tomar banho. Se tomar, vou ficar uma hora debaixo do chuveiro e gastar um monte da água do planeta.
Hoje eu não vou atravessar na faixa. Serei um jaywalker. O cara que não atravessa na faixa, por aqui, é chamado de jaywalker. Pode me chamar de jaywalker. Serei um.
Hoje eu vou beber no gargalo. Vou rir alto. Vou ver filme até de manhã. Vou comer hambúrguer com muito bacon. Sim! Bacon! Comerei bacon no café da manhã! O bacon é a própria rebeldia.
É certo que vou arrumar uns perrengues no Facebook, porque, quando alguém escrever um textão de revolta contra algo que ele acha muito errado ou defendendo as minorias, comentarei, tão somente: "Estou me lixando". Sabe por quê? Porque estou.
Não me convoque para a luta. Não irei. Não combaterei o bom combate, como dizia São Paulo, nem o mau, como gostaria o anjo decaído.
Você quer ser idiota? À vontade. Não estarei nem olhando. Por mim, o leão pode morder a perna do gnu, a águia pode destroçar o peito da pomba, o gato pode arrancar os olhos do rato. Operários do mundo, uni-vos ou desuni-vos como bem entenderem, mas não contem com a minha aprovação. Não a darei.
Não desfraldarei bandeiras, não farei campanhas, não cantarei hinos, não abraçarei causas.
Se hoje o mundo depender de mim para mudar, o mundo está ralado. Vai ficar igualzinho. E eu aqui, só olhando. De pernas para o alto. Bebendo a minha cerveja.