Correção: Peter Ustinov não interpretou o Rei Tut do seriado do Batman nos anos 1960 – o ator foi o americano Victor Buono. A correção foi feita às 21h10min desta terça (22). Obrigado aos leitores pelo alerta.
Havia uma trinca de filmes que passava todas as Sextas-Feiras Santas, quando eu era guri: O Manto Sagrado, O Cálice Sagrado e Quo Vadis?.
O meu preferido era Quo Vadis?. Assisti várias vezes, e tenho vontade de assistir de novo.
"Quo vadis?" vem do latim: "Onde vais?", em português. Segundo um dos Evangelhos Apócrifos, o apóstolo Pedro fugia de Roma por causa da perseguição de Nero e, ao pisar na pedra da Via Ápia, deparou com ninguém menos do que Jesus Cristo, que descera do Céu apenas para perguntar-lhe:
– Quo vadis?
Pedro respondeu que ia cair fora daquele lugar perigoso, e Jesus ponderou:
– Já que abandonaste meu povo, voltarei a Roma para ser crucificado pela segunda vez.
Ouvindo aquilo, Pedro tomou-se de brios e retornou a Roma. Os legionários o capturaram e o atiraram no fundo de numa das masmorras de Nero. Ao ser informado de que seria crucificado, ele disse:
– Não mereço morrer como meu Senhor...
O centurião respondeu, algo irônico:
– Podemos providenciar isso.
E Pedro foi crucificado de cabeça para baixo, nas areias do Coliseu.
Tudo isso aparece em Quo Vadis?, mas as cenas de que mais gosto são as em que rebrilha o imperador Nero, interpretado pelo genial Peter Ustinov.
Você deve se lembrar de "Sir" Peter Ustinov. Ele fez o melhor de todos os detetives Hercule Poirot.
Mas o melhor de Ustinov resplandeceu em seu Nero.
Não foi Peter Ustinov quem se transformou em Nero, Nero é que se transformou em Peter Ustinov, depois daquela interpretação única, assim como Cleópatra se transformou em Elizabeth Taylor e o Capitão Rodrigo se transformou em Tarcísio Meira.
O Nero de Peter Ustinov é um ser andrógino, malicioso, atormentado e perigoso. Tudo indica que o Nero verdadeiro foi mesmo assim.
Nero foi um populista nos moldes dos líderes latino-americanos de hoje. Dava muito pão e muito circo ao povo e, por isso, tornou-se ídolo da massa ignara. Depois de sua morte, correu pelo império o boato de que ele continuava vivo e que voltaria, qual Dom Sebastião. Valendo-se disso, uns quantos Neros falsos se apresentaram, querendo as graças da plebe. Todos foram desmascarados.
O Nero que de fato viveu e reinou, porém, estava mais próximo do Peter Ustinov de Quo Vadis?. Como qualquer guri de subúrbio, ele sonhava em ser artista ou atleta. Quando eram disputados jogos olímpicos em alguma cidade grega, Nero ia para lá, disfarçado de competidor. Claro que todos os outros atletas sabiam quem ele era. Sabiam, também, que podia ser pouco saudável derrotar o imperador. Assim, Nero ganhou mais louros de vitórias olímpicas do que Michael Phelps.
À noite, quando estava enfarado, Nero metia-se em outro disfarce e saía pelas ruas de Roma para festear nas baladas mais loucas. Às vezes, algum incauto cruzava por seu grupo e ele o degolava só por diversão.
Nero ficou mais perturbado quando morreu sua esposa, Sabina. Andava desconsolado pela cidade, até que viu um belo jovem chamado Sporus. Achou o rapaz muito parecido com Sabina, o que era muito conveniente para sanar aquele seu luto: mandou castrá-lo e casou-se com ele.
Nero tinha outros hábitos lúbricos desagradáveis, como prostituir as mulheres dos senadores. Gostava, ainda, de escolher dentre as mais belas jovens de Roma para serem desvirginadas pessoalmente por ele, o que, na sua opinião, era uma honra para a família das moças.
Como já disse, Peter Ustinov encarnou esse personagem em Quo Vadis? e tornou-se o próprio Nero. Há uma cena maravilhosa desse filme, da qual jamais esqueci. Vou descrevê-la amanhã e, em seguida, revelarei por que estou contando essa história antiga de 2 mil anos.