Todos envelheceremos, se tivermos sorte. Sempre digo que meu objetivo é a decrepitude causada pela idade avançada. Mas é preciso se preparar para esse doce momento. Nos últimos dias, testemunhei casos de senilidade exposta que fizeram soar os alarmes de perigo no meu cérebro. Não citarei nomes, óbvio. O que importa é o alerta.
O alerta grita que o perigo é você acreditar-se a salvo do que acontece com todo mundo. Essa ânsia de imortalidade, essa ilusão da juventude... Ao ler o livro do Gênesis, você se espanta com a idade dos personagens. Matusalém, o avô de Noé, viveu 969 anos. O próprio Noé, ao gerar Sem, Cam e Jafé, tinha já 500 anos e viveria muitos outros mais. Até que chega um trecho enigmático em que Deus limita a idade do homem. Lá está escrito assim:
"Quando o ser humano começou a procriar-se sobre o solo da terra e gerou filhas, os filhos de Deus viram que as filhas dos humanos eram bonitas e escolheram as que lhes agradassem como mulheres para si. E o Senhor disse: 'Meu espírito não habitará o ser humano para sempre. Sendo apenas carne, não viverá mais do que 120 anos'".
Ou seja: pelo texto, três criaturas entre o humano e o divino interagiam naquela época: os homens, as mulheres e os misteriosos filhos de Deus. Esses, os filhos de Deus, encantaram-se com a beleza das filhas dos homens e casaram-se com elas, mas o pai deles, isto é, Deus, não aprovou a união e, como punição, restringiu a vida do homem a apenas 120 anos.
Estranho.
De qualquer forma, há duas certezas: as mulheres têm alguma responsabilidade nisso e os 120 anos são a baliza.
Há uns 22 séculos, o rei Masinissa, da Numídia, teve um filho aos 86 anos de idade. Viveu ainda mais quatro, e bem, guerreando com vigor, comendo com apetite e liderando seus exércitos. Uma vida feliz.
No Brasil, Roberto Marinho começou a construir a Rede Globo aos 65 e aos 88 casou-se com Lily Carvalho. Um homem realizado.
Outro fenômeno foi Charles Chaplin: um de seus 11 filhos nasceu quando ele tinha 74 anos. Um reprodutor que não se cansava.
E o rei Luís XIV, o Rei Sol, aquele que, como Lula, acreditava que o Estado era ele próprio, esse reinou tanto quanto Lula queria ter reinado: 72 anos.
Assim vale a pena a longevidade.
De onde esses homens extraíram a energia que os empurrou quase que para o centenário?
Direi: da vontade de aprender.
Enquanto você aprende, você está indo em frente. Quando você conclui que já sabe o que havia para saber, você para. O homem que não tem paciência para aprender afoga-se no passado.
Como contei antes, tenho falado com pessoas que ficaram congeladas nos anos 1970. É assustador, porque mesmo as boas cabeças não estão livres deste processo.
Um exemplo que posso citar: o grande Belchior, apesar de ter feito tudo o que fez, foi o mesmo e viveu até o fim sem sair dos seus 25 anos de sonho, de sangue e de América do Sul. Uma ironia, porque foi ele quem disse que o novo sempre vem. E é fato. O novo está acontecendo neste instante. Você pode até não gostar dele, mas tem de tentar entendê-lo. Se ao menos tentou, você está vivo. Se não quer nem saber, você começou a apodrecer.
A decrepitude é nossa meta, sim, é isso que queremos, sim. Queremos envelhecer deliciosa e inexoravelmente. Desde que, ao ver o mundo que muda sem cessar, o brilho do interesse continue nos iluminando o olhar.