O Carlos Wagner é um velho lobo solitário da reportagem. Um dos repórteres mais premiados da história do jornalismo brasileiro. Quando percorria o Rio Grande, aboletado no banco de trás do carro da Zero, ufanava-se de conhecer cada trilha vicinal, cada curva de estrada. Às vezes, alertava o motorista:
– Cuida que em 500 metros tem um buraco bem deste lado da pista, mais ali pra esquerda.
Quinhentos metros depois, lá estava o buraco, para gáudio do Wagner, que se pavoneava:
– Viu? Conheço...
Existem os repórteres sem fronteiras. Os da estirpe do Wagner são os repórteres sem frescura, qualificação que ele gosta de cultivar até se dependurar nas franjas da temeridade. Às vezes, na Redação, o telefone tocava e o Wagner atendia. A pessoa do outro lado da linha perguntava, miando de educação:
– Por favor, a Marta está?
O Wagner, bem alto, como se estivesse no fundo do campo:
– A Marta tá na patente!
Um dia, lá pelo fim dos anos 1980 ou começo dos 1990, não lembro bem, o Wagner me disse:
– Está vindo aí uma novidade que vai mudar o mundo. Chama-se "internet".
E seguiu deitando falação sobre aquele troço que iria revolucionar a reportagem e a sociedade e tudo mais. Ouvi meio distraído. "Esse Wagner é um exagerado", pensei.
O Wagner continua ativo e atuante como um repórter foca. Outro dia, ele propôs uma questão interessante: o que há de semelhanças e diferenças entre os dois presidentes que assumiram por consequência do impeachment no Brasil, Itamar Franco e Michel Temer?
Respondo de pronto: a desvantagem de Temer é sua vantagem. Itamar, ao ascender à Presidência, era um político insignificante, conhecido apenas nas Minas Gerais. Não tinha liderança, não tinha voto, não tinha carisma. Tinha, só, topete. Temer, ao contrário, já foi presidente da Câmara e lidera um grupo de políticos experientes e manhosos. Todos envolvidos em alguma denúncia, é verdade, mas todos articulados, cheios de contatos e influências.
Temer é peemedebista de raiz. Itamar, de certa forma, também. Lembro que, em uma entrevista, ele contou, não sem orgulho, ter assinado a ficha número 9 do PMDB. Mas Itamar não era um correligionário fiel. Vivia brigando com seus pares e saiu do partido pelo menos três vezes.
Itamar, portanto, era um político sem apoio forte de qualquer partido, vice de um presidente eleito por um partido artificial – o PRN só tinha a casca da legenda, Collor por dentro e nada mais. Temer, por outro lado, foi duas vezes vice do PT, de longe o partido mais orgânico da história do Brasil.
Se o partido de Collor fosse "de verdade", ele poderia ter alguma sustentação no Congresso durante o processo de impeachment. Ou em estamentos da sociedade depois do impeachment. Mas não teve. Collor ficou sozinho. Isso deu liberdade a Itamar. E, como Itamar não tinha nome ou poder, também não tinha compromisso com nenhum grupo. Estava completamente livre na hora de assumir.
Assim livre, Itamar pôde formatar o chamado "governo de notáveis". Convocou quem considerava os melhores para os cargos mais importantes e, em uma reunião, advertiu:
– Se vocês não me apoiarem, caio fora.
Deu certo. A única oposição real a Itamar era o PT, mas um PT sem a relevância que ganhou depois dos anos 2000. Porque não devia fidelidades e não tinha compromissos, Itamar fez o melhor governo do Brasil em qualquer tempo. Temer tem mais força política do que Itamar e foi vice de um partido mais forte do que o de Collor. Por isso Temer não conseguirá governar em paz. Chegará ao fim do mandato, mas sofrerá como Itamar jamais sofreu.