Hoje sou um homem que dorme cedo. Por várias circunstâncias. Uma delas é que tenho de pular da cama junto com o canto do galo cinza, a fim de levar o meu filho à escola e me preparar para o Timeline. Outra é que aqui, no norte da América, as pessoas vão jantar na Hora da Ave-Maria, e a gente acaba entrando no ritmo do lugar.
Não é como na Espanha. Na Espanha, a noite começa depois das 23h, quando a lua já vai alta e as mulheres se tornaram lânguidas. Em León, cidade do porte de Caxias do Sul, havia, nos anos 1990, três boates que ABRIAM às seis da manhã. Sabe lá o que é isso?
Essa noite forte só é possível por causa do instituto da sesta. Os espanhóis se recolhem depois do almoço e voltam ao trabalho apenas no meio da tarde. Muito civilizado.
Já os americanos que têm filhos chamam as noites de domingo a quinta de "school night". Ou seja: a noite que antecede a manhã em que o filho precisa ir à escola.
– Vamos sair hoje?
– Hoje não dá: é school night.
É por isso que, quando chega a sexta-feira, eles ficam radiantes como crianças na véspera do Natal. Na sexta, eles não te cumprimentam dizendo "bom dia". Não. É:
– Happy Friday!
Feliz sexta-feira! E dito assim, com exclamação no final. A sexta-feira parece um dia ainda mais especial.
Todas as sextas, quando um americano me cumprimenta exclamando "Happy Friday", lembro-me do Lauro Quadros. É que o Lauro, conto de novo, toma apenas um chope por semana, e esse chope é degustado (essa a palavra certa) na sexta-feira. Então, o Lauro passa a semana antecipando aquele chope. O sábado e o domingo servem para ele contar como foi bom o chope de sexta. Na segunda, ele está desanimado como o gato Garfield: falta muito tempo para o chope. Mas aí a semana vai avançando e o Lauro saliva, pensando que a sexta, inexoravelmente, chegará. E chega. Naquela manhã luminosa, o Lauro abre os olhos pela primeira vez e, ainda na cama, dentro do seu pijama de Mickey, mirando o teto do quarto, diz para si mesmo:
– É hoje!
E o dia escorre devagar e as horas se sucedem, até que, na Hora do Angelus, quando os americanos estão jantando, o Lauro pede seu chope. Ele vem gelado e cremoso e dourado como as pernas da Gisele Bündchen. O Lauro pega o copo. Sorri, admirando-o. Suspira. E finalmente:
– AAAAAAAAAHHHHHH...
Bebe.
É um chope sempre delicioso, incomparável. Chego a invejar o Lauro por ele experimentar essa sensação.
Mas queria falar que durmo cedo. Porém, ah, porém, não foi o que aconteceu na última terça. Na última terça, esperei, acordado, até a primeira hora da madrugada. Aí, exatamente à 1h3min, coloquei no congelador uma garrafinha de cerveja e uma taça, que às vezes gosto de beber cerveja em taça. À 1h23min, levantei-me do sofá, tirei a cerveja do gelo, abri a garrafa e servi na taça. Fui para a sacada. Era 1h24min. Naquele momento, vi o verão chegar. Na verdade, senti: o ar ficou mais denso, a brisa ficou mais morna e, no céu, a lua me pareceu mais brilhante. Tomei um gole daquela cerveja gelada e me senti um Lauro Quadros.
O verão chegou, no Hemisfério Norte. Sei que, no Sul, ao mesmo tempo, o inverno é que fez sua irrupção. Isso significa alguma coisa. Talvez você seja como o Tim Maia, que dizia que na vida a gente tem que entender que um nasce pra sofrer, enquanto o outro ri. Já eu aqui, com minha cervejinha na sacada, penso que sempre há motivo para o riso. Em algum momento. Em algum lugar.