Ainda neste ano, durante partida do Gauchão, jogadores do Inter e do Caxias disputavam ferozmente a bola ao lado da bandeirinha de escanteio, observados de perto pelo técnico colorado, Antônio Carlos Zago, que estava à margem do campo. No desfecho do lance, um jogador do Caxias atirou o braço para trás e sua mão roçou no ombro de Zago. Por um instante, o treinador ficou indeciso sobre o que fazer, mas, em seguida, emitiu um urro, levou as mãos ao rosto e jogou-se dramaticamente no chão, pretextando ter recebido um soco no olho. A câmera mostrou a cena: o técnico, homem já sem cabelos, de quase 50 anos de idade, com os joelhos e a testa fincados no solo e as nádegas voltadas para o firmamento, espero que não na direção de Meca, gemendo de dor presuntiva.
Foi ridículo.
Simulações desse tipo, mais bem encenadas, evidentemente, são useiras e vezeiras no mundo do futebol. Nós brasileiros estamos acostumados com jogadores que não são sequer tocados pelo adversário e voam pelo ar até aterrissar com estrondo na grama, onde ficam estrebuchando e se contorcendo como se estivessem às vascas da morte. Basta o juiz mostrar o cartão amarelo para o adversário e eles se levantam e voltam serelepes para o jogo.
Os torcedores brasileiros adoram trapaças desse gênero, se beneficiam seu time. "É malandragem", elogiam. Mas, se prejudicam o time, vem a crítica: "Falta de ética!"
Todos os torcedores sabem que é assim e aceitam que seja assim. Não há escrúpulos no uso do cinismo para se alcançar a vitória.
Digo sempre que o futebol é tão popular porque, em um único jogo, consegue resumir a vida. Pois também esse cinismo de que falo não se restringe ao futebol.
É preciso ser muito cínico para aceitar como natural a conversa havida entre Temer e Joesley Batista, exposta na gravação entregue ao Ministério Público. A história toda é burlesca, do início ao fim.
O início: Joesley chegou pouco antes da meia-noite à residência do presidente da República e entrou sem nem se identificar. Como é que alguém entra na residência oficial do presidente da República sem se identificar? Diga: alguém chega ao seu edifício e entra sem se identificar? Estão cuidando mal do presidente da República... Ou será que encontros desse gênero são normais?
Depois vem a natureza da conversa propriamente dita. Dois juízes e um procurador subornados? Ajuda financeira de um empresário a um deputado preso? O que é isso?
Ainda no âmbito do Primeiro Homem da República, dias atrás Lula contou uma história ocorrida quando ele era presidente.
Lula estava preocupado: havia suspeitas de que um importante diretor da Petrobras, Renato Duque, depositava dinheiro de propina numa conta no Exterior. Muito cioso da lisura de seus colaboradores, o presidente decidiu tomar uma atitude. Chamou Duque para uma conversa no hangar do aeroporto de Congonhas, em São Paulo.
O diretor chegou e o presidente da República perguntou:
– É verdade que você está depositando dinheiro de propina numa conta no Exterior?
Duque respondeu:
– Não.
E o presidente da República respirou aliviado:
– Ah... Então tá.
E foi-se embora, tratar dos seus assuntos.
Estava encerrada a investigação. Durou tanto quanto o segundo de vacilação de Zago.
Agora, ciente de que o diretor mantinha, de fato, uma conta com dinheiro de propina no Exterior, Lula se consola:
– Ele não mentiu para mim; mentiu para ele mesmo.
Sério?
Querem que acreditemos nisso?
Chega a um ponto em que nem o brasileiro aguenta mais tanto cinismo.