Já é a terceira vez que vejo um observador de pássaros aqui perto de casa. Nunca tinha visto um antes. Ou talvez tenha pechado em algum, sem reconhecê-lo. É que esse é indisfarçável. O homem praticamente se farda de observador de pássaros.
Ele é um senhor de uns 60 anos de idade, magrinho e de aparência ágil. Calça botinas curtas e leva nas costas uma mochila. A cabeça é coberta por um chapéu de aba mole e, no pescoço, está pendurado um binóculo preto. Quer dizer: observador de pássaros.
Ontem, o vi ao lado de uma senhora, decerto sua companheira, e ela estava vestida do mesmo jeito. Caminhavam por uma rua da vizinhança. Eu andava atrás, a uns 10 metros de distância. Pensei que eles iriam para a praça que fica em frente a minha casa, tem bastante passarinho lá, mas eles entraram por uma rua que se afastava do meu caminho.
Por um instante vacilei. Já estava quase na hora do Timeline, precisava ir para casa. Mas tomei a decisão: fui atrás deles. Segui-os por uma, duas quadras, enquanto os minutos corriam. O Potter e a Kelly já deviam estar entrando no estúdio. Maldição. Dei um soco na perna e fiz meia-volta, prometendo a mim mesmo: da próxima vez, vou observar esses observadores de pássaros.
Porque, afinal, trata-se de uma atividade notável. Um observador de pássaros, o que ele faz é ver. Só. Ele não registra, ele não fotografa, nem filma. Nada. Ele olha e depois conta para os amigos:
– Ontem vi um curió.
– Oh...
Alguns dos meus amigos são dedicados observadores de mulheres. Tudo com muito respeito, claro, sem agressividade, nada mais do que admiração. Penso que uma mulher seja tão digna de enlevada observação quanto um passarinho. E, tanto quanto o passarinho, o observador somente observa. Olha e deixa lá. Não vai ser idiota de dar pedrada.
Tempos atrás, um dos meus amigos ligou, emocionado:
– Cara, estava agorinha mesmo no súper e vi uma morena... Ela estava com um vestidinho assim pelos joelhos e, quando foi pegar o Sucrilhos, levantou o braço e vi o sovaquinho dela. Foi a coisa mais linda que vi neste ano...
Achei bonito. Pena que a morena não sabe e nem jamais saberá que foi merecedora dessa homenagem.
Mas o mais puro, o mais tocante disso tudo é que eu e os amigos do observador de pássaros não precisamos de provas documentais sobre o que foi observado. Nós acreditamos nas evidências. Se o homem sai por aí debaixo de um chapéu de aba mole e passa horas do dia olhando por um binóculo só para ver um passarinho, é óbvio que ele viu, se disse que viu. Se um amigo se dá o trabalho de telefonar para contar a respeito de uma axila macia, é porque ele viu a axila macia, e ela o comoveu.
Você não precisa de fotos da axila, você não precisa de filmes do curió, você não precisa de nada documentado em cartório ou certidão ou escritura. Se você tem bom senso, se você não tem segundas intenções, se você conhece o mínimo sobre as relações humanas, você sabe que é tudo verdade.
Agora, se aparecerem filmes, não há mais discussão. Com prova provada, não é hora mais de observar. É hora de agir. Fora, Temer.
Estava chegando ao TD Garden, levando o Bernardo pela mão para assistirmos ao jogão do Celtics contra o Cavaliers, com direito a Le Bron James e tudo, quando a notícia explodiu no meu colo: caiu o governo. Ou, se não caiu, tem que cair.
Assim como Dilma não tinha mais sustentação moral para continuar presidente, depois da Lava-Jato, Temer, o que quer que tivesse, perdeu.
Temer foi desmoralizado por prova provada, fato, filme. Não há como negar, não há como espernear, não há como tergiversar. Temer tem de sair. Que, pelo menos, tenha mais dignidade do que sua antecessora e renuncie. Que pense um pouco no Brasil e evite uma crise ainda maior saindo por vontade própria. Que o presidente da Câmara assuma até 2018.
Não temos mais tempo para negociar ou ponderar. Temer, peça para sair.