Sofro. Porque ser pai, hoje, não é mais ser o provedor, o orientador, o protetor. Não. Ser pai, hoje, é substituir o console danificado do Xbox por um novo, instalá-lo e baixar mais uma vez os jogos comprados online, é saber por que catzo o Minecraft não abre no laptop, é configurar o Roblox no iPad. Ser pai, hoje, não é apontar para o filho o caminho reto do Bem, mas apontar o caminho correto a partir das Configurações para que ele consiga desinstalar um perfil que não quer mais naquele game que custou 26 dólares. Ser pai, hoje, não é mostrar para o filho o que é o certo e o que é o errado, e sim mostrar onde ele deve plugar o cabo HDMI na TV.
Por isso, sofro.
As pessoas dizem que a gente não deve olhar para trás. Concordo. Mas confesso que sou um homem revoltado com o presente. No presente, tenho que saber o que é browser. Browser!
Já ando suspirando, neste presente tecnológico. Já ando dizendo "no meu tempo", seguido de reticências nostálgicas. Nunca pensei que diria no meu tempo.
Pois no meu tempo não havia tantas opções. Estação de TV, só tinha três: a Gaúcha, a Difusora e a Piratini. Depois é que apareceram o 2, o 4 e o 7. Uma vez li que nos Estados Unidos as pessoas podiam sintonizar centenas de canais num único aparelho de televisão. Aquela informação me deixou atordoado. Como era possível, se o seletor tinha só 12 números?
E bolacha, então? Bolacha, o que havia, basicamente, eram a Maria, a champanhe, que era pra fazer torta, e a água e sal. Esse nome, água e sal, me deixava intrigado. Como algo feito tão somente com água e com sal podia se transformar numa bolacha? Um mistério.
Agora contemple o meu drama: sou um homem que não sabe como se faz bolacha água e sal, imagine um browser.
Mas o mundo foi se sofisticando, a despeito da minha ignorância. Chegou o tempo em que surgiram os biscoitos recheados. E, uma vez, lançaram uns pacotinhos de pequeníssimas bolachinhas de presunto ou de queijo. A de queijo, em forma de um minúsculo travesseiro. A de presunto, quadradinha, parecida com um selo de carta. Era uma delícia. Fiquei viciado naquilo. Quando tinha um troco, em geral dado pelo meu avô, comprava um pacotinho no recreio do colégio e comia inteiro.
Passada a adolescência, por algum motivo, fui me afastando das bolachas em geral e passei muitos anos sem nem ver aqueles pacotinhos. Até que, já adulto, deparei com as bolachinhas expostas em um súper. Comprei, ávido por reviver a experiência da infância. Mas... não foi a mesma coisa... Concluí que meu paladar se sofisticou para bolachas e demais farináceos.
É que tem bolacha de todo tipo hoje. Bolacha demais, se você quer saber. Não precisa tanto.
Tudo, hoje, é em grande quantidade. Tanto e tanto, que tonteia.
Meu filho quer o jogo GTA. Disseram-me que é violento. Será mesmo? Tenho de investigar. Tenho de ocupar meu pequeno cérebro com as minudências do GTA, que tristeza, e ainda me faltam clássicos para ler. Era mais fácil quando eu era guri.
Lembro de um Natal antigo, eu tinha a idade do meu filho. Havia um presente esperando por mim, debaixo da árvore colorida. Um só, mas não esperava mais. Ataquei o pacote, ansioso. Rasguei os papéis de seda azuis, arranquei os laços vermelhos irritantes. Ajoelhado em frente aos adultos e aos meus irmãos, abri a caixa de papelão. E o que vi me deixou paralisado de emoção. Não acreditava. Era lindo demais. Recuperei os movimentos, por fim. Levei as mãos ao interior da caixa. E a tirei de lá.
Uma bola.
De couro. Trinta e dois gomos brancos e pretos. Número 5. Oficial. Linda, linda. Abracei-a, comovido. Olhei para a dona Diva e, num fio de voz, disse:
– Obrigado, mãe.
Ah, no meu tempo...