Com mais de 40 anos de vida pública, o ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal (STF) Nelson Jobim acredita que, apesar do clima de ódio exacerbado evidente nesta campanha eleitoral, os ânimos vão se acalmar com o passar do tempo, e o presidente eleito precisará adotar tom mais moderado.
– Uma coisa é o discurso de campanha, outra é o de governo. – O presidente não é imperador e depende de composição de maioria no Congresso – avalia.
Ministro da Justiça no governo de Fernando Henrique Cardoso e da Defesa nos de Luiz Inácio Lula da Silva e de Dilma Rousseff, Jobim critica o fato de o candidato à Presidência Jair Bolsonaro (PSL) ter anunciado que levará militares para o primeiro escalão caso seja eleito.
Natural de Santa Maria, o ministro aposentado avalia ainda que há "risco" ao se escalar militares na Esplanada:
– Ministério é função para civil, inclusive o da Defesa. Militar é um técnico, que pode participar do ministério como forma de execução e da operacionalização das decisões políticas tomadas dentro do governo.
Confira, a seguir, trechos da entrevista.
Como avalia o momento do país?
O que está ocorrendo é uma polarização muito forte entre o candidato pretensamente de direita, Jair Bolsonaro (PSL), e Fernando Haddad (PT), pretensamente de esquerda. Essa polarização se agravou e, ao que tudo indica, vamos ter segundo turno. Temos posição extremada de direita, de um lado, e postura não muito clara sobre o nível de localização, se de centro-esquerda ou se de esquerda extrema em Haddad. Introduziu-se no país, por série de circunstâncias, dificuldade imensa de fazer política. Há variável nova, que é o ódio. Candidatos e partidos estão se tratando nessa polarização não como adversários políticos, mas estão se considerando inimigos políticos. Ou seja: quer a sua destruição. Inclusive, os mecanismos de campanha que estabelecem são nesse sentido. É importante considerar, também, que as instituições do Brasil, não obstante esse conflito, são fortes. Tem-se dito muito que há grande crise. Que estamos vivendo crise econômica, não tenho dúvida _ em face da situação mundial, inclusive. Mas atribuir a isso crise institucional que pode conduzir o país à ruptura, não creio. Seja o que for, há uma regra: em política, não se escolhe interlocutor. O interlocutor é o que está na mesa e quem decide quem deve estar na mesa é o voto. Então, na hipótese de um ou do outro ser eleito, a sociedade brasileira e civil terá de trabalhar com este personagem e não, digamos, excluí-lo. E o defeito que pode haver em tudo isso é que nós, não tendo a percepção da necessidade de diálogo, possamos empurrar eventual eleito para extremidade de direita ou de esquerda. Ou seja: jogar no braço dos radicais.
E o defeito que pode haver em tudo isso é que nós, não tendo a percepção da necessidade de diálogo, possamos empurrar eventual eleito para extremidade de direita ou de esquerda. Ou seja: jogar no braço dos radicais.
NELSON JOBIM
Ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal (STF)
Enxerga algum risco para a democracia?
Não vejo, não. Uma coisa é o discurso de campanha, outra é o de governo. Vamos ter dois momentos fundamentais, vamos admitir que sejam dois turnos. O primeiro momento é este, da escolha. Neste dia 7, vamos ter definição do que teremos para o dia 28, em matéria de segundo turno. Mas temos também definição importante que diz respeito ao Congresso: vamos ter a notícia de quem comporá os dois terços do Senado que estão em concorrência nos Estados e a Câmara. Quando tivermos o final da apuração, vamos ter claramente o seguinte: os candidatos que forem para o segundo turno terão de lembrar que vão ter de trabalhar, a partir do ano que vem, com o Congresso que foi produzido pela eleição no dia 7. E aí vai ter de começar aquele momento da lucidez. Estamos no momento da catarse, com os candidatos despejando manifestações de ódio para ver se conquistam mais votos. Depois de resolvido o problema no dia 28, se tivermos segundo turno, teremos um presidente eleito. E aí ocorre o seguinte: ele foi escolhido como interlocutor da nação, o condutor do processo de governo da nação. A partir do dia 28 até a posse do novo presidente, vai ter negociação política muito forte para ter entendimento de como se vai governar. No nosso sistema constitucional e de poder, o presidente não é imperador e depende claramente da composição de maioria congressual e da volta da funcionalidade da Câmara que é, no momento, a situação mais difícil em termos de funcionamento.
Qual a origem do ódio que marcou o primeiro turno?
Começou a partir de equívocos que foram praticados pelo governo Dilma (Rousseff), que não negociou, não conversava. E aí tivemos o impeachment e, com ele, jogou-se o problema da negociação. Depois, houve a prisão (do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva), um fato jurídico importante. Com isso tudo, começou a se produzir uma afirmação de que foi isso um grande movimento da direita do Brasil para excluir os partidos de esquerda. Não estou dizendo que seja verdade ou falso. Começou a surgir o ódio. Ou seja, começou a se introduzir dentro da situação política o ódio, que obstruiu o diálogo. Ele precisa ser retomado a partir do ano que vem, com o novo presidente. Temos agora Michel Temer, que está em situação de desprestígio popular muito grande e que não coincide com os legados que sua gestão teve em termos de aprovações e alterações legislativas importantes.
O que explica o fenômeno Bolsonaro?
Primeiro, um cansaço. A sociedade brasileira cansou do político tradicional, do discurso tradicional. Cansou também daquilo que tomou conta da sociedade, nos últimos tempos, que é o politicamente correto. Isso é algo que ocorreu no mundo todo em relação à leniência dos partidos, à falta de capacidade das siglas de construir soluções. E aparece, então, um discurso afirmativo. Qual é a diferença entre o discurso de Bolsonaro e o de (Geraldo) Alckmin (PSDB)? O do tucano é antigo, tanto é que não conseguiu deslanchar até hoje, não teve incisividade nas afirmações. Bolsonaro atende a um setor que quer incisividade nas afirmações. Ele representa exatamente essa possibilidade agora, neste momento, de não negociação.
A sociedade brasileira cansou do político tradicional, do discurso tradicional. Cansou também daquilo que tomou conta da sociedade, nos últimos tempos, que é o politicamente correto.
NELSON JOBIM
Ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal (STF)
Como vê o protagonismo das Forças Armadas como bandeira nesta campanha?
As Forças Armadas são absolutamente legalistas, com a visão da responsabilidade que têm de ser instrumento do Estado e da nação para a preservação da ordem constitucional. Devemos essa postura profissional a um personagem que muita gente odeia ou que tem péssima memória, que é o general Castello Branco. Foi ele que acabou destruindo, por alterações legislativas que fez, as lideranças políticas militares. Antes de 1965, quando foram feitas as primeiras alterações, generais e oficiais militares tinham posições políticas, e eles permaneciam na estrutura, no generalato, por tempo quase indefinido. Conseguiu-se isolar as Forças Armadas da atividade política. Hoje, você tem generais comprometidos com as funções da instituição, e não com a atividade política. Então, não dá para dizer que Bolsonaro representa as Forças Armadas.
Bolsonaro adiantou que pretende levar militares para o primeiro escalão se for eleito.
Isso, sim, é um risco. Ministério é função para civil, inclusive o da Defesa. Militar é um técnico, que pode participar do ministério como forma de execução e da operacionalização das decisões políticas tomadas dentro do governo. O militar é para o operacional, de definir estratégias para executar decisão política. Se você fizer isso, há risco de voltar a politização das Forças Armadas.
Poucas vezes o STF esteve em tanta evidência, especialmente pela divergência pública entre ministros. O que está faltando para ajustar o Supremo?
Temos um problema de liderança. Fiquei em torno de 10 anos no Supremo. Nele, você tinha sempre dois líderes: o presidente, que é um líder transitório, e o decano, que é o ministro mais antigo, que é líder permanente. O Supremo sempre teve dois líderes que se entendiam e faziam os entendimentos para que o Supremo fosse um colegiado, que as decisões fossem colegiadas. Acontece que, nos últimos tempos, não tivemos isso. E com isso se criaram praticamente 11 Supremos: cada ministro acabou jogando o problema para as decisões monocráticas. Observe que grande parte das decisões que há problema são tomadas monocraticamente por um ministro.
O Supremo sempre teve dois líderes que se entendiam e faziam os entendimentos para que o Supremo fosse um colegiado, que as decisões fossem colegiadas. Acontece que, nos últimos tempos, não tivemos isso. E com isso se criaram praticamente 11 Supremos: cada ministro acabou jogando o problema para as decisões monocráticas.
NELSON JOBIM
Ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal (STF)
Em que momento o STF perdeu a liderança?
Quando começou a ter na sua presidência personagens que não conseguiram exercer a função específica disso. Creio que agora, com o presidente Dias Toffoli, vai haver retomada do processo de entendimento. Divergência dentro do tribunal sempre houve, mas as discussões que se travavam dentro dele eram discussões sobre as teses.
O senhor considera essa situação grave?
É grave, no sentido das divergências, mas não é algo que impeça a retomada da consistência do próprio tribunal. Ministro e juiz não é para dizer o que ele acha de algo, mas para dizer o que a lei acha da forma de tratar o assunto. O limite do juiz é o texto da Constituição. O que está acontecendo é que começam alguns (ministros) a acharem que têm a possibilidade de que a função é ele achar alguma coisa porque ele tem compromisso com a Justiça, com os princípios. Isso tudo é uma retórica que pode levar ao arbítrio.