A internet está cada vez mais parecida com aquelas cidades do Velho Oeste onde a lei ainda não chegou — ou chegou, mas ninguém deu bola. Como a maioria de nós trabalha, estuda, se informa, escolhe candidato, bate papo, namora e se diverte — ou seja, vive — nesse ambiente em que corporações transnacionais obedecem, ou não, às leis conforme a própria conveniência, somos todos figurantes involuntários nesse faroeste high-tech.
Para sobreviver no Forte Apache, é preciso aprender a desviar do tiroteio: distorção de fatos, inteligência artificial usada de forma maliciosa, descontextualização, linchamentos virtuais, influencers picaretas, golpes, crimes e armadilhas em geral (como as tais apostas, “bets”, que viraram mania e tragédia nacional). Mas enquanto alguns se encolhem, outros prosperam. Oportunistas de diferentes naturezas, de bilionários a ladrões de galinha, aproveitam o banzé no Oeste para acumular dinheiro, poder e/ou influência às custas da ingenuidade alheia, sob o olhar impotente de governos e da sociedade civil.
No meu faroeste favorito, O Homem que Matou o Facínora (1962), até existe um xerife, mas é de faz-de-conta. Sendo assim, o bandido Liberty Valance (Lee Marvin) tem o caminho livre para barbarizar. Ninguém pode com ele. Nem a polícia, nem os políticos, nem a imprensa e nem mesmo o caubói mais valente do lugar, Tom Doniphon (John Wayne). As coisas começam a mudar quando um advogado, Ransom Stoddard (James Stewart), chega à cidade com a mala carregada de livros e ideias de justiça. Ele não é páreo para um duelo à moda antiga, mas pode ensinar as crianças a ler e os adultos a se unirem em busca do que é o melhor e mais justo para a maioria.
Na mitologia americana, James Stewart é “o sistema”, ou seja, a lei, a democracia, a república. Mas o duelo final, desculpem o spoiler, não é resolvido pelo sujeito sabido da cidade grande, mas entre os dois caubóis: o do bem, John Wayne, e o do mal, Lee Marvin.
Sujeitos como Elon Musk imaginam-se como cavaleiros solitários, bons de briga, que não precisam da lei nem do Estado para resolver as coisas a seu modo. Gostam de se proclamar defensores da liberdade, mas só quando lhes é conveniente. Espalham medo e desordem, mas, quando se olham no espelho, veem John Wayne, e não Lee Marvin. A seu modo, são uma versão atualizada do facínora que tem prazer em barbarizar o vilarejo — protegidos, até segunda ordem, pela ausência de limites e de xerife.