Por doenças não relacionadas à pandemia, perdi três amigos próximos de juventude em um período muito curto de tempo. Quem passou por perdas desse tipo sabe que a morte do amigo de juventude provoca luto e nostalgia ao mesmo tempo. Quando perdemos um amigo, ficamos um pouco mais velhos, um pouco mais tristes, um pouco mais sozinhos.
Pensando nos meus amigos e em tudo o que tinham pela frente – filhos para terminar de criar, lugares e pessoas para conhecer, projetos a realizar – não consigo deixar de imaginar uma realidade paralela em que volto no tempo para alertá-los a respeito de perigos na pista ainda muito remotos quando se tem 20 e poucos anos. Aviso que é preciso parar de fumar imediatamente, que fazer check-up todos os anos é mais importante do que parece, que maneirar na vida boêmia é uma boa ideia a partir de certa idade.
Imagino os conselhos, mas também o olhar de incredulidade que meus jovens amigos me devolvem. Não adianta dizer que venho do futuro e na verdade tenho idade para ser mãe deles. Na minha fantasia, eles sempre acabam escolhendo continuar levando a mesma vida que levaram – por menos razoável que pareça para a bem-intencionada viajante do tempo. A possibilidade de uma vida vivida de trás para frente, contemplando todos os perigos do futuro a cada decisão ou escolha, provavelmente soe mais como castigo do que como salvação, mesmo no meu devaneio.
Talvez seja uma reação comum, quando alguém morre, nos entregarmos à fantasia de que teria sido possível salvar essa pessoa do seu destino. E se eu tivesse notado que ele estava doente? E se tivesse insistido para levá-lo ao médico um ano antes? É quase como se tivéssemos que expiar a culpa de continuarmos vivos inventando culpas que, na verdade, não existem.
No caso do luto cívico que o Brasil está vivendo neste momento, ao contrário, existem culpados e muitas mortes poderiam, sim, ter sido evitadas com uma gestão apenas decente da pandemia. Não podemos voltar no tempo e corrigir os erros do passado, mas os mais de 260 mil mortos que não pesam na consciência do presidente da República exigem de nós, os que continuamos vivos, a justiça póstuma e o tributo de um voto melhor no futuro.