Uma escola com alunos que não se vestem do mesmo jeito, não moram nos mesmos bairros, não rezam para o mesmo Deus – ou nem rezam. Uma escola tão multicolorida quanto aqueles anúncios da Benetton dos anos 1990. Uma escola pública com ensino de qualidade, frequentada por filhos de médicos e de auxiliares de enfermagem, de advogados e de guardas de trânsito. Uma escola que expande horizontes, em vez de encolher.
Não é um lugar dos sonhos, mas Longfields-Davidson Heights Secondary School, o colégio público em Ottawa, no Canadá, onde minha filha fez intercâmbio alguns anos atrás. A descrição e o espanto com a diversidade nas salas de aula são dela – uma menina que até então imaginava que todas as escolas do mundo eram tão monocromáticas e socialmente excludentes quanto os colégios particulares de Porto Alegre onde ela estudou.
A diversidade social e cultural de Longfields reflete não apenas a tradição do Canadá de acolhimento a imigrantes, mas uma política deliberada de “misturar para melhorar”. Alguns anos atrás, no Fronteiras do Pensamento, o professor de ética Michael Sandel lembrou que patrões e empregados costumavam sentar lado a lado nos estádios americanos no tempo em que a diferença de preços dos ingressos não passava de US$ 3. Nas últimas décadas, estádios passaram a reproduzir a lógica do apartheid social que vigora (mais no Brasil do que nos EUA) em escolas, shoppings, parques públicos... A falta de espaços de convivência entre pessoas de diferentes origens e perfis, observou Sandel, estaria corroendo dois fundamentos da democracia: a percepção de que alguns valores podem ser compartilhados e a de que o bem-estar da maioria melhora a vida de todos.
Incomodados com a falta de diversidade na escola em que os filhos estudam, um grupo de famílias do Vera Cruz, de São Paulo, botou a mão na massa e colocou em pé uma ideia que merece ser imitada: um programa de bolsas para crianças negras e indígenas, financiado parte pela escola, parte por pais e outros doadores. O Projeto Travessias (projetotravessias.org.br) vai bancar os estudos de 18 crianças já a partir de 2021.
O que eu adorei nessa ideia não foi apenas a preocupação em promover a diversidade na escola – para o benefício de todos –, mas a parte “mão na massa” dos pais, que se reuniram durante meses para formatar um projeto que, se não vai mudar o mundo, vai mudar, e muito, aquele mundo. Lição de casa: o primeiro passo de qualquer travessia é querer sair do lugar.