O filósofo político norte-americano - e fenômeno global pop - Michael Sandel é o conferencista desta segunda do Fronteiras do Pensamento. Professor da Universidade de Harvard, ele chega a Porto Alegre depois de já ter palestrado em mais de 30 países e lançado na internet um curso (intitulado Justiça, como um de seus best-sellers) que já foi visto por mais de 3,5 milhões de pessoas ao redor do mundo. A partir da abordagem de temas tão diferentes como genética, aborto, casamento homossexual, mercado financeiro e, principalmente, justiça, Sandel mostra como as maiores questões da vida podem ser analisadas com a razão:
- As soluções passam pelo debate, e não precisam ser as mesmas para todas as sociedades democráticas. O que cada sociedade tem que descobrir é como ela quer viver junta.
A conferência terá início às 19h45min, no Salão de Atos da UFRGS. Ainda há ingressos disponíveis - os passaportes são vendidos para todas as oito palestras da temporada, que se estende até novembro na Capital. Confira, a seguir, a entrevista concedida por Sandel a ZH por e-mail.
O senhor poderia antecipar os principais assuntos que abordará em sua conferência? Sobre o que tem falado em suas palestras ultimamente?
Quero discutir alguns dos desafios éticos mais importantes com os quais deparamos hoje, em nossas vidas pessoais e também como cidadãos. Por exemplo, o que fazer para termos uma sociedade justa? Como as coisas boas da vida - renda e riqueza,
poder e oportunidade, honra e reconhecimento - deveriam ser distribuídas? De acordo com quais princípios? É justo que Neymar ganhe tanto dinheiro a mais, na comparação com um professor de colégio? Toda a desigualdade é injusta, ou algumas formas de desigualdade são justificáveis? Esses são alguns assuntos que abordo no livro Justiça - O que É Fazer a Coisa Certa (Civilização Brasileira, 2011, 352p., R$ 42). Também planejo discutir uma questão ética que nós frequentemente ignoramos nos debates públicos: qual deve ser o papel do dinheiro e do mercado na sociedade? Há algo que o dinheiro não deveria conseguir comprar? Isso já é algo que discuto no meu livro mais recente, O que o Dinheiro Não Compra - Os Limites Morais do Mercado (Civilização Brasileira, 2012, 240p. R$ 32). E é o que tenho abordado nas minhas palestras recentes ao redor do mundo. É fascinante ouvir como plateias diferentes, em países diferentes, respondem a essas questões e a esses dilemas éticos. Nos últimos meses, palestrei na China, na Índia, na Austrália, na Itália, na Espanha, na Alemanha, na Grã-Bretanha, no Japão e na Colômbia, entre outros lugares. A despeito das diferenças políticas e culturais que esses países têm entre si, todos parecem ansiosos para enfrentar essas discussões. Quero ver como os brasileiros vão receber esse debate.
Como devemos entender a ética? Como um conceito atemporal ou como algo que muda constantemente de acordo com a história, os lugares e o contexto de cada abordagem?
Ética é um conceito sobre o que é certo e o que é errado, justiça e injustiça. Nós podemos ler hoje o que diziam filósofos muitos antigos e entender seus argumentos sobre o tema. Isso sugere que a ética, do ponto de vista filosófico, tem um aspecto atemporal, ou ao menos uma aspiração universal. Também é verdade, no entanto, que culturas e tradições diferentes fazem uso desse conceito a partir de perspectivas diferentes. Acredito que é um erro ignorar tradições particulares e específicas ligadas ao conceito quando se vai refletir sobre o assunto. Da mesma forma, é um erro assumir que essas tradições não podem conversar com outras e às vezes aprender com culturas e abordagens distintas do mesmo tema.
Muitos escritores e filósofos têm ponderado sobre o fenômeno da internet. O senhor tem permitido o acesso online aos seus seminários sobre ética. Acredita que, atualmente, a internet pode desempenhar uma mediação que é ela própria ética?
A internet não pode por si só impor melhorar a compreensão do homem ou tornar o mundo um lugar melhor. É apenas uma ferramenta. E não podemos esquecer que as ferramentas, às vezes, podem ser usadas para propósitos bons ou maus. Eu acho que a internet pode ser usada para fins que valem a pena, como a educação cívica e o discurso público global. Mas isso requer a constituição de comunidades de aprendizagem e que estejam dispostas ao diálogo. Quando, alguns anos atrás, disponibilizamos online minhas palestras na Universidade de Havard, o fizemos experimentalmente com acesso livre. Minha intenção era mostrar que a mais alta educação pode ser um bem público, e não apenas um privilégio de poucos. Fiquei surpreso: nunca tinha imaginado que milhões de pessoas assistiriam a uma conferência de filosofia na internet! Mais recentemente fiz um novo experimento, transmitindo uma aula ao vivo no formato de videoconferência. Conectamos minha sala de aula de Harvard com estudantes de universidades em quatro países bem diferentes - China, Índia, Japão e Brasil. E tivemos uma discussão em tempo real conectando pessoas desses lugares com os EUA. Espero continuar experimentando outras maneiras de superar limites nacionais e culturais para fazer as pessoas discutirem as grandes questões éticas impostas pela civilização democrática.
O senhor escreveu, no prefácio de seu livro Justiça: "Para saber se uma sociedade é justa, basta questionar como ela distribui aquilo que valoriza". Seguindo essa definição, o mundo tem ficado mais ou menos justo depois da crise de 2008?
Não acredito que tenhamos respondido efetivamente à crise financeira do fim da década passada. Embora tenhamos visto algumas reformas regulatórias modestas, muitos bancos e instituições financeiras ainda estão na condição de "grandes demais para falir". Não me parece que podemos dizer que o mundo ficou mais justo desde 2008. Quando a crise financeira surgiu, acho que muitas pessoas esperaram que nós teríamos um profundo debate público sobre o propósito do mercado financeiro nas nossas vidas. Em que momento o mercado serve à população? Em que tipo de ocasião ele não deve estar envolvido? Infelizmente, contudo, não tivemos um debate de fato. Na maior parte do mundo, a distância entre os ricos e os pobres cresceu, e não encolheu, desde a crise. Ainda temos muito trabalho para tornar nossas sociedades mais próximas daquilo que seria o ideal de justiça e democracia.