Dos mesmos produtores de “não existe racismo no Brasil” continua em cartaz a superprodução de ficção não científica “o machismo já acabou”. Diferença salarial? Nem tem. Violência doméstica? Fazer o quê. Descriminalizar o aborto? Um dia.
A boa notícia é que desde que as partes diretamente interessadas passaram a ter mais oportunidades para se manifestar na esfera pública ficou quase impossível sustentar essas opiniões sem corar um pouco.
“Corajosas e anônimas, sim, assim foram milhares de mulheres do passado”, anota a escritora espanhola Rosa Montero no prefácio de Nós, Mulheres – Grandes Vidas Femininas (Todavia), livro lançado em 1995 que acaba de ganhar uma edição revista e ampliada no Brasil. São 16 perfis de mulheres extraordinárias – de muito famosas, como Simone de Beauvoir, Agatha Christie e as Irmãs Brontë, a quase desconhecidas. O conjunto inicial foi ampliado com 90 pequenas biografias de novas personagens de diferentes épocas – de uma médica que viveu no Egito em 2700 a.C. a uma jovem feminista síria que nasceu em 1997 e foi morta pelo Estado Islâmico aos 19.
Salvar essas mulheres de sua segunda morte, o esquecimento, ajuda a desmontar certos estereótipos (mulheres sempre priorizaram a família e o conforto, mulheres não pintavam, não escreviam, não se importavam em não poder estudar…) e serve de inspiração para as que acreditam que a história da igualdade ainda está sendo escrita. Como escreveu uma das personagens destacadas no livro, a antropóloga americana Margaret Mead, “nunca duvide que um pequeno grupo de cidadãos sensatos e comprometidos podem mudar o mundo. De fato, são os únicos que conseguiram isso”.
Um alerta necessário: Rosa Montero é daquelas escritoras que sabem como prender um leitor. Nenhuma história é narrada sem entusiasmo, lucidez e o genuíno esforço de decifrar os muitos enigmas sem solução que envolvem a vida de qualquer pessoa. Ou seja, não comece a ler esse livro se tiver planos de fazer qualquer outra coisa nas horas seguintes.
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Sobre recontar a História inserindo e valorizando personagens que haviam ficado de fora, recomendo o excelente podcast Vidas Negras, apresentado pelo jornalista Tiago Rogero.
Incluir artistas, cientistas, lideranças e pioneiras de todas as áreas à História que as havia deixado de fora, além de dar o devido valor para personalidades tratadas até aqui como grandes estrelas da segunda divisão, faz parte do esforço para reparar visões distorcidas tanto do passado quanto do presente das mulheres.