A Somália fica no ombro esquerdo da África, separada da Índia pelo Oceano Índico (valeu, Google Maps). Sua capital é Mogadíscio, mas isso eu descobri anos atrás, assistindo a Falcão Negro em Perigo. Encerram-se aí meus 30 centavos de conhecimento sobre a Somália, país onde mais de 300 pessoas morreram no sábado passado em um atentado.
Já Myanmar fica entre a Índia e a Tailândia. A capital, anote aí, se chama Naypyidaw (sim, Google). Nas últimas semanas, cerca de 500 mil rohingyas foram obrigados a fugir de Myanmar, dando início a uma das mais graves crises humanitárias da nossa época. Minoria muçulmana historicamente perseguida em um país de maioria budista, os rohingyas costumam ser descritos como “o povo mais martirizado do mundo”. E olhem que a concorrência não é pequena.
O que essas duas histórias têm em comum além do fato de estarem acontecendo em lugares que a maioria de nós seria incapaz de apontar no mapa? Somális e rohingyas vêm sendo usados nos últimos dias para ilustrar um fenômeno desconfortável em tempos de tantos bons sentimentos de sofá: a empatia seletiva. Sete mortos em Paris nos colocam em sobressalto, enquanto 70 no Zimbábue nos deixam indiferentes e raramente viram “badges” (aquelas bandeirinhas anexadas ao perfil nas redes, indicando adesão ou simpatia por uma determinada causa). O fenômeno não é novo, mas ficou mais evidente com a internet.
As redes, como seus usuários, são movidas por duas emoções básicas e bastante primitivas: raiva e empatia. Odiamos o que coloca em risco nosso estilo de vida ou nosso modo de ver o mundo. Nos compadecemos com tudo que nos parece próximo e familiar. Para que o sofrimento alheio nos comova, é preciso que a dor ecoe em nós de alguma forma – eventualmente por motivos nobres, mas em geral por puro egoísmo. Um vizinho assaltado diante da nossa casa nos aflige mais do que o estranho encontrado morto em um bairro pobre no outro lado da cidade. Racionalmente, sabemos que uma coisa é bem pior do que a outra, mas não sentimos medo, raiva ou compaixão por motivos estritamente racionais.
É por isso que o psicólogo canadense Paul Bloom argumenta que a “compaixão racional” é muito mais importante para a vida em sociedade do que a empatia e os bons sentimentos. Para Bloom, por ser tendenciosa, a empatia pode nos induzir a “desastres morais”. É fácil colocar-se no lugar de quem se parece conosco e lançar todas as pragas do Egito contra quem desprezamos, mas para decidir o que é certo ou errado, moral ou imoral, importante ou secundário, nossas afinidades e aversões não são guias muito confiáveis.
Posar de fiscal da empatia alheia, cobrando manifestações equidistantes em relação a todas as tragédias do planeta, pode oferecer uma breve sensação de superioridade moral, mas dificilmente vai conquistar simpatizantes para alguma causa. Para quem acredita que tragédias como os atentados na Somália e a crise dos refugiados de Myanmar deveriam merecer mais atenção, a melhor estratégia talvez seja ler e compartilhar notícias sobre o assunto. A rede é o que fazemos com ela. E quanto mais sabemos uns sobre os outros, mais difícil é ficar indiferente.