"Senhora, eu vos amo tanto / Que até por vosso marido / Me dá um certo quebranto".
Faltou a cara de pau, mas não a ocasião, para aproveitar os versos que o Quintana escreveu pensando na Cecília Meireles para confessar ao escritor Tzvetan Todorov o quanto eu gostava do que ele escrevia. O ensaísta de origem búlgara, que morreu nesta semana em Paris, aos 77 anos, esteve em Porto Alegre em 2012, participando do seminário Fronteiras do Pensamento – infelizmente, sem a companhia da mulher, a ótima escritora canadense Nancy Huston, por quem, de fato, até sinto um certo quebranto.
Todorov ficou conhecido nos anos 60 como crítico literário, depois de deixar a Bulgária e se radicar em Paris. Nos últimos anos, escrevia sobre qualquer tema que lhe interessasse, o que é o sonho de todo intelectual atento ao que acontece em volta: política, história, literatura, filosofia... Como Zygmunt Bauman, que morreu há exatamente um mês, Todorov não se resguardava do debate público, o que em uma época tão atordoada quanto a nossa tornou-se ainda mais essencial. Se, como Umberto Eco escreveu pouco antes de morrer, a internet deu voz e ressonância aos idiotas, é preciso oferecer combate esclarecido (e incansável) às pós-verdades, às trolagens, às abobrinhas. Todorov, Bauman e Eco fizeram isso não apenas refletindo com clareza sobre os problemas da nossa época, mas comunicando-se com seus leitores por meio de uma linguagem acessível e apaixonada. Farão falta não apenas pelas ideias, mas pelo entusiasmo intelectual.
No livro Em Defesa do Iluminismo (2009), um dos meus preferidos, Todorov explica por que ainda se mantém fiel aos ideais que, no século 18, lançaram as bases daquilo que hoje conhecemos como democracia. O iluminismo, escreveu, não é um movimento que se encerrou no passado, no tempo das revoluções, mas uma atitude intelectual que se adapta a diferentes épocas e circunstâncias – sempre mantendo como norte a construção de uma sociedade mais aberta, mais justa, menos supersticiosa.
Diante de tantas opiniões que expressam desprezo pela justiça, pela democracia, pela ciência e pelo bom senso mais elementar, ser iluminista hoje é simplesmente não jogar a toalha.
Que Todorov continue nos inspirando.