Uma coisa nós já aprendemos nesses primeiros 15 anos de redes sociais: não existe nenhum assunto tão banal, ou esdrúxulo, que não possa ser transformado em pretexto para um embate de proporções épicas entre visões de mundo irreconciliáveis.
A maionese, por exemplo. Não "a verdadeira maionese" – aquela que Kraunus Sang e o Maestro Pletskaya tantas vezes celebraram em serões na Praça da Matriz –, mas uma outra, menos conhecida, mas, para alguns, igualmente merecedora do direito de usar seu nome.
O duelo começou alguns dias atrás, quando alguém perguntou no Twitter para a apresentadora Rita Lobo por que ela não ensinava uma receita de maionese preparada com óleo de coco e iogurte. A resposta veio sem adoçantes: "1) Porque não é maionese. 2) Trate seu distúrbio alimentar".
Adepta de uma comida mais parecida com algo que não deixaria sua avó ofendida ou assustada, Rita Lobo é colega de emissora de Bela Gil, famosa pelas experiências pouco ortodoxas com ingredientes e técnicas de preparo – o churrasco de melancia e a feijoada com tofu entre elas.
Rapidamente, o diálogo no Twitter desandou para um embate entre rita-lobistas e bela-gilistas, para deleite de todos aqueles que, não sabendo a diferença entre um morango e um rabanete, salivavam diante da oportunidade de se alistar no bate-boca.
A polêmica da maionese talvez reflita algumas idiossincrasias da nossa época. Para começar, a obsessão quase religiosa com determinados tipos de dieta e a disposição para converter novos fiéis para a causa alimentar de sua preferência – usando, é claro, o palco em que todos os debates públicos, os graves e os aleatórios, disputam a fluida atenção da audiência.
Faça o teste: pegue qualquer assunto, digamos, a verdadeira maionese, coloque sobre a mesa (as redes sociais) e atraia pessoas de diferentes origens, temperamentos e interesses para a conversa. Assista como, lentamente, o assunto vai assumindo sentidos diversos, cada vez mais distantes do tema inicial do debate. Deixe no forno por alguns minutos, e o ingrediente original pouco a pouco se dissolve, assumindo o aspecto de uma escolha moral diante da qual o mais distraído observador é convocado a se posicionar.
Já não basta ser livre para escolher, entre os 457 programas de culinária exibidos pela televisão brasileira, aquele com o qual você se identifica e que, de alguma forma, expressa sua personalidade, seus gostos e seu estilo de vida (despojado, trash, natureba, sofisticado...). É preciso convencer os outros de que a sua escolha é a melhor e que qualquer outra não apenas tem potencial para destruir o planeta e a raça humana como será percebida como uma espécie de ofensa pessoal.
Talvez a enigmática mensagem que Kraunus e Pletskaya estavam tentando nos transmitir durante todos aqueles verões em que escapavam da Sbórnia para ocupar a Praça da Matriz fosse esta: diante, enfim, da verdadeira maionese, o próprio sentido da existência nos será revelado de forma clara e inequívoca. Ou não.