Sou aquela brasileirinha que não se comove com finais espetaculares, que confunde os nomes dos atletas e suas respectivas modalidades, que se distrai no celular enquanto o telejornal informa detalhadamente o placar das medalhas, os recordes assombrosos, as viradas eletrizantes. Não me orgulho da minha dislexia esportiva, mas também não me envergonho. Ela sou eu, e eu sou ela.
O que me salva nesses dias monotemáticos, além dos fones de ouvido e de uma conta premium no Spotify, são as narrativas paralelas que acompanham eventos grandiosos como os Jogos Olímpicos. Nós, humanos, gostamos de ouvir histórias tanto quanto de testar limites e competir uns com os outros – para a primeira necessidade criamos a arte, para a segunda, o esporte. É por isso que cada notícia sobre um atleta de excelência costuma vir acompanhada de uma narrativa que dá um sentido particular a sua conquista. São esses relatos de superação, esforço e disciplina, mas também de sorte e oportunidades bem aproveitadas, que nos aproximam dos atletas e nos inspiram a buscar, no cotidiano, energia para os combates e resiliência para as derrotas.
Um atleta pode ser admirado pelo patriotismo, pela força e pela beleza, mas também pela humildade, pela gentileza, pela coragem. Cada época e cada cultura elegem a narrativa que celebra seus semideuses. Relatos sobre mulheres atletas que dão mais destaque para a aparência física do que para o talento esportivo, por exemplo, já foram mais comuns e estão ficando cada vez mais anacrônicos e vexatórios. Também aquilo que um dia foi matéria de escândalo pode agora ser encarado com naturalidade inédita: os jogos do Rio devem ser lembrados como aqueles em que falar a verdade sobre a orientação sexual deixou de ser tabu – ou quase. A festa, que começou com a modelo transexual Lea T puxando com elegância a entrada da delegação brasileira no Maracanã, já registrou pedidos de casamento, beijos de novela, declarações de amor e conta com a presença do primeiro casal do mesmo sexo, legalmente casado, a competir em um mesmo time por uma medalha (as jogadoras britânicas de hockey Kate Richardson-Walsh e Helen Richardson-Walsh). Se o esporte ensina a superar limites, pode ensinar a vencer preconceitos também. Com isso, ganhamos todos – até quem não consegue prestar muita atenção no jogo.