Se me contassem, há um ano, que a política nacional produziria um Partido da Mulher Brasileira (PMB) - antifeminista, contrário ao aborto e com modestos 10% de mulheres na bancada -, talvez eu me espantasse. Menos pelo despropósito em si do que pelo volume oceânico de oportunismo necessário para colocar em pé um ornitorrinco político desse calibre - mesmo para os padrões de Brasília.
Enquanto os combativos deputados da bancada mulherista desfrutavam seu prolongado recesso de Carnaval, garotas que não se sentem exatamente representadas pela eclética plataforma do partido que as homenageia estavam ocupadas fazendo um barulho inédito com campanhas de combate ao assédio durante a folia. O movimento foi nada menos do que histórico. O passe livre para o vale-tudo que vigorou desde sempre durante os quatro dias de festa costumava ser encarado como uma espécie de sagrada e arquetípica instituição nacional. Não é. Intocável é o direito de dizer "sim" ou "não", o que as meninas que estão reinventando o feminismo a partir das redes sociais têm deixado cada vez mais claro - para desconsolo dos que estavam acostumados ao daltonismo seletivo que os impedia de distinguir o sinal verde do vermelho.
Esse tipo de campanha civilizatória é importante não apenas durante o Carnaval. Um país não tem índices de violência contra a mulher tão altos sem que exista uma enorme tolerância à cultura do abuso no dia a dia - algo que deveria ser combatido desde cedo, quando os meninos aprendem a respeitar as meninas na escola e a controlar as urgências do próprio desejo em qualquer idade. Para quem faltou a essa aula, as campanhas lançaram cartilhas que explicam a diferença nada sutil entre paquera, brincadeira, sedução e seus opostos extremos: abuso, violência, constrangimento.
A quantidade e o tipo de ocorrências registradas durante o Carnaval em todo o país, apesar das campanhas, demonstram como a combinação de álcool, hormônios e falta de noção rapidamente pode transformar a alegria em baixo-astral. Ofensas verbais, empurrões, tapas e socos são algumas das táticas de "conquista" de foliões contrariados que não podem mais ser toleradas - nem mesmo no ambiente de anarquia consentida do Carnaval.
A maioria dos homens, ainda bem, sabe disso. E antes de sair cantando "vou beijar-te agora, não me leve a mal, hoje é Carnaval", procura certificar-se de que a Colombina está mesmo a fim. Para não virar mais um palhaço no salão.