A certa altura da série Love, que estreou na última semana no serviço de streaming Netflix, Gus (Paul Rust), sob efeito de uma gigantesca ressaca amorosa e de dois pegas em um baseado, joga pela janela do carro a coleção completa de Blu-rays que acaba de recolher da casa da ex-namorada. Gus culpa os filmes românticos pela visão fantasiosa que, aos 31 anos, ainda tem do amor – ou tinha, até levar um sonoro e inesperado pé na bunda. Por que nunca ninguém fala do que dá errado? Das mentiras? Das incomodações mútuas? Por que, enfim, Gus se pergunta, todos os filmes de amor induzem os espectadores a sonhar com uma felicidade que nunca realmente se realiza? (É uma ironia a mais o fato de que a série se passa justo em Los Angeles, a cidade que há pelo menos cem anos exporta para o resto do mundo visões fantasiosas do amor.)
Leia mais colunas de Cláudia Laitano
Big data
O animal e o super-homem
Deixa a menina sambar em paz
Love pode ser entendida como uma tentativa de, respondendo à provocação do personagem, contar uma história de amor sem muito confete – e com muitas cenas de bafo, suor, chateação e vergonha alheia. Mickey (Gillian Jacobs) é uma produtora de rádio meio maluquinha. Gus é um professor que dá aulas para uma atriz mirim num set de filmagens, e os dois, que se conhecem apenas no final do primeiro episódio, parecem não ter muita coisa em comum – o que, como se sabe, nunca impediu ninguém de se apaixonar. Ou de pelo menos tentar.
Com 30 e poucos anos, os protagonistas de Love são filhos de uma geração que já não se dava muito ao trabalho de manter casamentos falidos, mas ainda encarava a decisão de se casar ou de ir morar junto com alguma solenidade. Seus filhos, aparentemente, têm dificuldade para alimentar até mesmo aquela fantasia juvenil de que o amor é para sempre. Sem esse impulso inicial de suspensão da descrença com relação à realização amorosa, fica difícil jogar todas as fichas em uma pessoa, mesmo abstraindo, por inverossímil, o anacrônico "até que a morte os separe".
Com sua visão desglamourizada da experiência do apaixonamento, Love parece uma ilustração bem-humorada da tese desenvolvida pelo sociólogo polonês Zygmunt Bauman no livro Amores Líquidos, segundo a qual as relações estão tão flexíveis nos dias de hoje que ninguém se sente totalmente à vontade com o seu status conjugal: quem está sozinho quer desesperadamente encontrar alguém ("o" alguém), quem está em um relacionamento não consegue deixar de pensar o tempo todo em todas as oportunidades que está perdendo.