Pela primeira vez na história brasileira, o dólar atingiu 6 reais. É a maior cotação nominal do fechamento da Bolsa, numa elevação de mais de 23% em comparação com o antigo topo de R$ 4,92, de janeiro.
Trata-se de um recorde negativo que traz preocupação ao Governo Lula, indeciso entre cumprir as promessas da campanha e enxugar as despesas.
É assustador pensar que nossa moeda vale seis vezes menos do que a moeda americana. Nossa situação só não é pior do que no Sudão do Sul, Nigéria e Egito, com histórico de conflitos civis.
Atravessamos uma fronteira mental de costumes que talvez não tenhamos mais como recuar.
Experimentamos, na última sexta-feira (29), uma anti-Black Friday. Não havia desconto capaz de cobrir a desvalorização.
Esperava-se uma queda com o anúncio do novo pacote fiscal do governo. Mas o que o governo conseguiu foi confundir ainda mais.
Ao invés de adotar rigor no corte dos gastos, com a faca para todos os lados, escorregou no populismo da exceção, querendo isentar do Imposto de Renda quem ganha até R$ 5 mil.
A postura claudicante apenas gerou desconfiança no mercado e apreensão entre os investidores. Mesmo que o tamanho do pacote fiscal tenha atendido às expectativas, perdeu sua força diante do anúncio concomitante do projeto de reforma do IR.
Não amenizou a explicação de que a isenção para quem ganha até 5 mil reais por mês será bancada pela cobrança de mais imposto de quem recebe mais de 50 mil reais por mês e pela limitação da isenção de IR de aposentados com problemas de saúde graves que recebam acima de 20 mil reais por mês.
Acredita-se que a economia de 71,9 bilhões de reais em dois anos e 327 bilhões de reais até 2030 é insuficiente para reduzir a dívida bruta em relação ao PIB.
O dólar em estratosférica alta significa que grande parte de produtos e serviços que a população consome ficará mais cara, desde a viagem de férias até a ceia de Natal. Haverá um impacto no valor dos alimentos no supermercado e no custo de operação das empresas. Deverá subir de modo imediato o preço do combustível do carro e do avião, afetando deslocamento para qualquer destino. Se as passagens já se mostravam impróprias, agora serão inacessíveis. Ração dos animais e fertilizante dos grãos são precificados na moeda estrangeira, e acompanharão o acréscimo. O pão e o macarrão vão encarecer, visto que o trigo é importado do exterior.
A escalada galopante de inflação e de desemprego se avizinha no final do ano. Há também um efeito colateral decorrente da possibilidade de ganhar mais com a exportação do que com a venda doméstica, pressionando os preços no mercado interno. Sem contar que o aumento do dólar resultará numa política de juros mais restritiva, a ser aplicada pelo Banco Central. Os juros maiores inibem o consumo e, consequentemente, desestimulam o crescimento, na tentativa de conter o avanço dos preços.
Nosso presente contraditório pode despertar a nostalgia de quem viveu entre 1994 e 1999. Nesse breve período, R$ 1 chegou a valer mais do que US$ 1 no bolso. Com a implantação do Plano Real, em 1º de julho de 1994, R$ 1 equivalia exatamente a US$ 1. Era elas por elas, numa fase mágica de equiparação e de igualdade na balança comercial, facilitando compra de bilhetes aéreos, reserva em hotéis e aquisição de roupas e aparelhos. Em outubro do ano do pacote, o dólar correspondia a R$ 0,82.
Mas, antes de mergulhar na saudade da bonança universal do brasileiro, é bom lembrar que naquela época reinava o câmbio fixo, mantido artificialmente. O que parecia maravilhoso, na verdade, era uma ilusão, porque o governo passou a controlar a cotação da moeda estadunidense de maneira forjada, com a venda de sua reserva internacional em troca da estabilidade do real, prática que se tornou insustentável a partir da crise de 1999.