Só nas séries era possível ver uma mulher presidente dos Estados Unidos.
Em Commander in Chief, de 2006, Mackenzie Allen, interpretada por Geena Davis, emerge ao poder devido à morte do presidente Teddy Bridges.
Em Veep, de 2012, Selina Meyer (Julia Louis-Dreyfus), senadora de Maryland, tenta ser indicada por seu partido para concorrer à presidência, mas não ganha a nomeação e termina sendo vice-presidente. No decorrer do mandato, o presidente renuncia repentinamente em função de problemas de saúde de sua esposa, fazendo com que Meyer assuma o comando.
Na polêmica House of Cards, Claire Underwood, encarnada por Robin Wright, sai da sombra de primeira-dama para, numa manobra do Congresso, suceder o marido, o ex-presidente e ex-congressista Frank Underwood (Kevin Spacey).
O que Kamala Harris tem pela frente não é brincadeira: transformar a ficção em realidade, pondo abaixo a última fronteira da misoginia — a Casa Branca.
Enfrenta o todo-poderoso Donald Trump, um dos homens mais ricos do mundo, intransigente, megalomaníaco, representante de um grupo de outsiders conservadores que se sentem excluídos e decepcionados com a política atual, nostálgicos de uma América forte, xenofóbica e unilateral.
Figura controvertida dos extremos (ou me ame, ou me odeie), Trump renasceu de uma condenação, de processos criminais e de acusações após sobreviver a atentado na campanha, em Butler, Pensilvânia. Com o punho em riste, desafiou a morte: “Lutem, lutem, lutem”.
São duas reeleições em jogo, a do Partido Democrata, com a desistência de Joe Biden, e a de Trump, que busca reaver o segundo mandato perdido na eleição passada. Ambos almejam atingir o número mágico de 270 de um total de 538 delegados, que assegura matematicamente quem irá ocupar o cargo pelos próximos quatro anos.
Nesta tradicional e ufânica terça-feira (5), os dados serão lançados. Desde 1845, a votação se desenrola na primeira terça-feira depois da primeira segunda-feira de novembro.
Numa disputa acirrada, em que os dois se declaram favoritos e azarões ao mesmo tempo, existe um misterioso empate técnico nas pesquisas de intenção de voto.
A igualdade é tamanha na briga voto a voto, que até se cogita algo que jamais aconteceu na história americana, um lendário placar de 269 a 269, com voto de Minerva ficando para o Congresso.
Kamala pode vingar a derrota de Hillary Clinton para Donald Trump em 2016. Apesar de a candidata democrata e ex-secretária do Estado ter recebido 65,8 milhões de votos na ocasião, quase 3 milhões a mais do que Trump, pelo sistema eleitoral indireto dos EUA, Trump derrotou Hillary com 56,5% dos delegados (276) contra 42,2% dela (218).
Filha de uma cientista indiana e de um professor universitário jamaicano, Kamala ascendeu de uma família de imigrantes para ser eleita, em 2010, a primeira procuradora-geral negra da Califórnia, sua terra natal, e a primeira senadora negra pelo mesmo estado em 2016.
O desafio que tem agora é maior do que aquilo que já fez no controle da criminalidade em São Francisco, que resultou num aumento das condenações na cidade e num programa inédito que incentivou traficantes a abandonarem a atuação nas ruas e retornarem à sala de aula, a partir de uma reabilitação pelo ensino.
Na sua agenda presidencial, carrega a bandeira de “uma economia de oportunidade”, que se concentra no fortalecimento das classes média e de baixa renda, e na redução dos custos abusivos dos medicamentos e dos alimentos.
Todos os olhos estão nos sete decisivos Estados-pêndulos: Arizona (11 delegados), Carolina do Norte (16 delegados), Geórgia (16 delegados), Michigan (15 delegados), Nevada (6 delegados), Pensilvânia (19 delegados) e Wisconsin (10 delegados).
Ninguém vai dormir, para acompanhar a apuração e maratonar a série da vida real.