Ninguém acredita que Silvio Santos morreu.
Nunca um óbito verdadeiro foi tão contestado, tão polemizado, tão recebido como fake news.
Como alguém conseguiu se tornar maior do que a morte?
Ele alcançou essa proeza. Possui algo de lenda, de Elvis Presley, um feitiço da imortalidade desafiando a finitude. De modo semelhante ao rei do rock 'n roll, desfruta de um exército de imitadores.
Silvio Santos partiu, para a descrença de todos, neste sábado (17), aos 93 anos. Precisava ser em um final de semana — dias em que ocupava os holofotes e a telinha —, ampliando o espaço vago, potencializando a nossa saudade.
Ele deixa a esposa, Íris Abravanel, as filhas Cintia, Silvia, Daniela, Patricia, Rebeca e Renata, além de 14 netos e 4 bisnetos.
Seu trono nunca encontrará substituto. Consagrou-se como o maior comunicador da história do país. Maior do que os seus antecessores, maior do que os seus possíveis sucessores, porque conciliou longevidade com sucesso. Seu programa homônimo se manteve no ar desde 1963.
Resistiu por sessenta anos na vitrine, sem perder a relevância e a influência. Representou o entretenimento, o riso, a chance repentina de prosperidade da família brasileira a partir dos quadros “Baú da Felicidade”, “Qual é a Música”, “Show de Calouros” e “Porta da Esperança”.
Piadista à moda antiga, expondo seus preconceitos e limitações, rindo de seus improvisos, sustentava um vozeirão que hipnotizava os auditórios da sua emissora, SBT.
Seus bordões icônicos, como “Quem quer dinheiro?”, “Vem pra cá, vem pra cá”, “Pedir ajuda aos universitários” e “Namoro ou amizade?”, estão incorporados no cotidiano dos espectadores.
Transformava o sofá da nossa residência em escola, incentivando a disputa entre pais e filhos para adivinhar a resposta certa antes do participante no Show do Milhão.
Quem teria a sandice de arremessar aviõezinhos confeccionados com cédulas de dinheiro em direção à plateia? Só Silvio, menino pobre natural da Lapa, bairro do Rio de Janeiro, o primogênito entre seis irmãos de um lar de imigrantes judeus, que se virava como camelô nas ruas cariocas, vendendo canetas e capas de plástico.
Só quem conheceu a fundo o trabalho informal poderia entender do que o povo gostava, construir um império da telecomunicação e se converter num dos homens mais ricos do Brasil.
Dos anúncios divertidos de seus produtos na multidão, conquistou bicos como locutor, até despontar como animador na Rádio Nacional, em 1954. Assim que criou sua própria emissora, extrapolou os limites do carisma, segurando um programa de variedades que chegava a durar dez horas.
Quem mais seria capaz de estabelecer essa maratona televisiva, esse transe, sem fraquejar o timbre uma única vez, apenas com o intervalo para chamar o enigmático Lombardi?
Só ele, um ser mitológico de cabelos engomados, lábios carnudos, sorriso escancarado ao máximo e sempre vestindo ternos com gravatas coloridas.
Parecia que ele nunca nos abandonaria. Parecia que a morte o tinha esquecido e perdoado devido ao legado gigantesco.
Mesmo com o anúncio do seu fim, ainda estamos esperando Silvio ressurgir e nos perguntar:
— Você está certo disso?
Ninguém está.
Quem saiu de cena foi Senor Abravanel, jamais Silvio Santos.