O que você fez com seu primeiro salário?
No primeiro emprego, experimentamos a sensação de que estamos ricos. Não importa a natureza do ofício. Partimos do zero para dispor de recursos próprios. Pode ser uma ninharia, mas você conquista um valor finalmente seu, com a liberdade de aplicar onde quiser.
Há aqueles que nem esperam o dinheiro pingar na conta e, com a confiança nova de assalariados, já abrem a torneira, assumindo compras a prazo. Minha irmã Carla Nejar recém havia ido morar sozinha, só co0ntava com a sua mala e seu travesseiro num espaço vazio. Ela olhou aquele travesseiro solitário em cima da bagagem e parcelou um colchão de casal. Não mais dormiria apertada numa cama de solteiro, apenas apertaria o orçamento.
Há quem seja grato com os pais, que sempre arcaram com o sustento da casa, e repassam o montante inteiro a eles como um ressarcimento simbólico pelas despesas da vida. Minha esposa tomou essa atitude altruísta.
Eu fui quase na mesma linha. Realizei um rancho no melhor supermercado do bairro. Não consegui levar tudo o que eu queria, mas me senti, de modo inédito, um provedor. Ainda me lembro da cara desconcertada da minha mãe quando comecei a desempacotar os produtos e encher a geladeira.
Ela somente me perguntou:
— Você assaltou algum banco?
Eu lhe respondi com bom humor:
— Sim, me ajude a guardar tudo antes que a polícia chegue.
Aliás, a minha mãe utilizou seu vencimento inicial de seu trabalho na Reitoria da UFRGS, em que redigia ofícios e correspondências, para pagar um curso de datilografia. Ela privilegiou a sua formação. Meu pai também destacou a sua carreira, financiando seu livro de estreia, Sélesis.
Há quem coloque em prática um desejo reprimido de consumo, adquirindo um item pessoal que jamais receberia no Natal ou no aniversário. Caro ou supérfluo, é um artigo desdenhado pelos mais próximos, que não entendem a sua importância.
Minha amiga Débora Tessler, em sua estreia na Carteira de Trabalho, gastou os 350 pilas do contracheque em uma carteira de couro classuda, na cor preta, na antiga loja de joias Natan. Ela namorou a vitrine por longos meses, rezando para que ninguém a antecipasse.
Eduardo Nasi, meu compadre que mora em São Paulo, arrebatou todos os gibis de uma banca de revista. Vingou a sua infância.
Vinicius Veloso, hoje dono de uma rede de restaurantes, teve seu dia de Fantástica Fábrica de Chocolate na loja Kopenhagen. Sua gula aconteceu no balcão, em que abria caixas e saboreava as barras e os tabletes diante de atônita vendedora. Jamais esqueceu a explosão do bombom de cereja na boca. Acredita que o gosto do sucesso é um bombom de cereja.
Há quem exagere num passatempo. Meu confidente, Zé Klein, acostumado a ficar quarenta minutos num fliperama com cinco fichas, anoiteceu no lugar com cinquenta fichas. Saiu tonto de lá, tentando obliterar a gastança com o mu-mu dos churros.
Há quem transfira os sonhos aos outros. É o caso da minha personal trainer Raquel Dias Dutra, que deu uma casa da Barbie para sua sobrinha Nicole. Nem preciso dizer que passou um final de semana brincando junto.
Há quem perceba a situação como um degrau para ingressar no mundo adulto. O psicanalista Mário Corso botou um cebolão no pulso, orgulhoso pela possibilidade de informar as horas aos demais.
Engraçado mesmo foi a minha nutróloga Ana Farnese, que voltou para casa com dez potes de palmito. O palmito era item chique, inacessível, restrito às mesas mais abastadas. Ela nunca tinha provado. Mas comeu tanto, numa overdose tamanha, que até hoje não consegue suportar cheiro de palmito por perto.