Na escola, não provocava nenhum amigo. Longe de mim brigar. Queria distância de discussão, engolia a seco desaforos, evitava encarar qualquer um durante muito tempo.
Magrinho e franzino, com inferioridade física, mantinha-me fiel ao meu roteiro de discrição: residência, sala de aula, residência.
Isso jamais seria suficiente. Eu estudava no meio de um faroeste.
Um esbarrão involuntário no corredor, ou não dar cola, ou humilhar alguém com chapeuzinho no futebol, ou brincar com uma menina desejada pelos vilões já servia para fazer desafetos entre os mais velhos.
Conviviam na mesma turma alunos com diferença de três anos. Os repetentes se mostravam muito mais fortes do que a minha faixa etária.
Partia deles a ameaça que deixava todo mundo em pânico, com cabelo em pé: “te pego na saída”.
Não tinha como escapar da sentença. Uma tensão elétrica corria de mesa a mesa, uma euforia de coliseu, um sadismo coletivo. Todo mundo ficava sabendo, e ninguém deixava fugir. Paredões humanos impediam a covardia, até porque existia um único acesso de saída da escola.
“Pegar na saída” representava brigar no fim da aula, fora dos muros da instituição, sem diretora para apartar, sem professor para socorrer, sem pais para garantir algum arrego.
Não havia como conversar, adiar, buscar atenuantes, ou mesmo se desculpar com antecedência. Uma vez dito, nada mudava o fatalismo do encontro, o terrorismo psicológico.
A escola inteira ligava o cronômetro e passava telefone sem fio, avisando que ninguém deveria ir para casa: teria surra antes do almoço.
Você virava um alvo.
Quando fui ameaçado por um colega do fundo da sala, pela goleada astronômica do meu time em cima do dele durante o recreio, suei frio, sofri horrores. Ao longo daquela manhã, não conseguia prestar atenção no conteúdo, minutos demoravam horas, eu me sentia observado por olhares de piedade e compaixão. Eu me via um menino morto, desprovido de chance de um golpe redentor ou um chute messiânico.
Respirava fundo. Recebia bilhetes de quem torcia por mim, e recados das alas favoráveis ao agressor, antecipando que sangraria feio para aprender a lição.
Esperava, instante a instante, que acontecesse algo sobrenatural. Rezava ao crucifixo em cima da lousa, para o duelo ser cancelado.
Se eu acredito em milagres, se eu acredito em Deus, a fé decorre dessa época.
Perto de encerrar o último período, a mãe de um aluno estranhamente bateu à porta e pediu licença para a professora. Tratava-se da mãe de quem jurava me espancar. Foi buscá-lo mais cedo para exame médico.
A decepção tomou conta do ambiente, anulando o bookmaker do possível vencedor da pancadaria, suspendendo as apostas já feitas com bolitas e figurinhas.
Só eu vibrei, só eu festejei, só eu comemorei. Acabei esquecido. O ultimato durava apenas 24 horas. No dia seguinte, eram eleitos novos inimigos.