“Um coração gigante agora está precisando de um coração.” Foi assim que Ivete Sangalo caracterizou o momento dramático do apresentador Fausto Silva.
Faustão, 73 anos, terá que ser submetido a um transplante cardíaco, segundo informação divulgada na noite deste domingo (20) pelo Hospital Albert Einstein, em São Paulo. Seu quadro de insuficiência se agravou desde a internação no início de agosto. Sua saúde está além de si mesmo. Ele se encontra em diálise, refém de medicamentos para o correto bombeamento do coração.
Fausto enfrentará a fila do SUS. Com quase quatro décadas na televisão brasileira (seu programa Domingão do Faustão, da TV Globo, foi transmitido entre 1989 e 2021) e uma fortuna estimada em R$ 1,1 bilhão, amigo de praticamente todas as maiores celebridades brasileiras, autor de bordões consagrados pela cultura popular como “Ô loco, meu!”, formador de opinião, incentivador da carreira dos principais músicos do país, o recém-aposentado não encontrará nenhuma vantagem apesar da fama e da influência. Pela frente, amargará idêntica corrida contra o tempo que passam os esperançosos pela solidariedade de um desconhecido.
Não há como pular lugar ou garantir preferência, mesmo com a imensa idolatria que o cerca.
Sua salvação entrou na faixa comum a todos os mortais, onde não pesa dinheiro ou poder.
Já foi incluído na fila única de transplantes regida pela Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, que leva em consideração a duração da espera, a tipagem sanguínea e a gravidade da enfermidade.
Não há como pular lugar ou garantir preferência, mesmo com a imensa idolatria que o cerca, mesmo com o amor e admiração que emanam de sua trajetória, marcada pela filantropia e amparo às campanhas de caridade.
Junto aos familiares, atravessará o período de ocaso mais tenebroso e imprevisível de sua biografia, acordando em alguma manhã pelo toque redentor de um telefonema oficial. Integra-se a uma solidão anônima aflita por sobreviver, vendo-se, em suas próprias palavras, “mais sozinho que goleiro na hora do pênalti”.
A lista de espera é um corredor implacável e torturante da morte para inocentes. O célebre caso talvez desperte a conscientização para a doação de órgãos, já que um único doador pode recuperar oito vidas.
O que vem ocorrendo nacionalmente é o contrário: uma diminuição de autorizações enquanto a pendência de carentes aumenta vertiginosamente.
Persiste ainda o tabu social de que o transplantado carregará as experiências e emoções do doador. Ou de que o morto perderá a sua integridade física, fundamental para a sua salvação espiritual, ao ter seus órgãos passados adiante.
São falácias de uma ideologização equivocada do pós-fim. Famílias negam inclusive a última vontade de seus entes queridos.
Não prevalece a cidadania de ser útil ao próximo quando a pessoa não conta mais com a mínima chance de ressurreição hospitalar.
Não se entende que são apenas órgãos, jamais fantasmas. Não ocorre uma migração de almas durante a cirurgia.
Como Fausto Silva, semelhantes na angústia e na ansiedade, existem inacreditáveis 65.911 pessoas no país aguardando doações de órgãos e tecidos, sendo 1.540 no Rio Grande do Sul (especificamente para órgãos sólidos). Aliás, nosso Estado apresenta indícios otimistas de mudança da mentalidade. No primeiro semestre deste ano, o número de transplantes cresceu 35,9% em comparação com os seis primeiros meses de 2022.
Que Faustão seja salvo e que traga em sua sobrevida uma corrente de novos doadores para que as existências antes e depois dele na fila também sejam poupadas.
Temos um coração coletivo para cuidar e proteger. Pois “quem sabe faz ao vivo”. Dependemos de sua permanência no ar.