Caduquice é a palavra mais feia da língua portuguesa. Consegue superar senilidade.
Palavra em que você tropeça com a boca e já se sente frágil.
Um “cônjuge caduco”, então, é de travar a língua. Virar isso não deve ser fácil. Quando você se dá conta de que é um cônjuge caduco, não sobra esperança no romance.
Mas quem é velho não tem ideia de que é caduco — graças a Deus —, esquece inclusive que é velho.
A velhice não traz o apagão total da memória, a amnésia súbita e instantânea. A noite do pensamento chega ainda oferecendo algumas estrelas, algum brilho.
O processo se assemelha mais a um desbotar de fotografias. O esquecimento acontece devagar, aos poucos, numa lenta adaptação do raciocínio. A busca por um nome, que se realizava no ato, passa a demorar horas, em seguida dias, mais adiante semanas.
O esquecimento acontece devagar, aos poucos, numa lenta adaptação do raciocínio.
Tem coisas de que só me recordo após alguns meses de tentativa.
Às vezes, estou no meio de uma conversa com amigos e vem à tona um termo perdido em agosto do ano anterior. É como reencontrar um objeto há tempo extraviado — com a idade, vocábulos tornam-se objetos palpáveis.
Tenho uma imensa felicidade em recobrar algo apesar de atrasado. Sorrio pela façanha. É a certeza de que a mente continua funcionando. Não é a mesma, mas não está morta.
Você começa não lembrando o nome do ator e da atriz, depois não lembra o nome do filme, depois não lembra sequer se assistiu ao filme.
O que adianta registrar dicas de recuperação de senha em aplicativos se você nem tem ideia de qual foi o contexto?
Por isso, é tão importante estar casado. Contará com a ajuda do seu par para completar as referências que faltam. Amor na maturidade é um Google com conexão discada e pré-histórica.
A sensação é que, em toda conversa que tenho com Beatriz, estamos fazendo palavras cruzadas.
Como é o nome daquele restaurante, daquela praça, daquela cidade a que a gente foi naquele ano?
Eu fico me valendo de suas sinapses para completar as minhas. A lentidão nos envolve com enigmas e charadas.
Viver muito sobrecarrega o sistema. E não há problema, desde que jamais apaguemos o motivo de estarmos juntos.
Eu já percebo em mim traços evidentes da caduquice — que expressão rançosa! — porque invento de trocar os nomes dos filhos. E pior que eles são de sexos diferentes, o que agrava o lapso. Chamo Mariana de Vicente e Vicente de Mariana sem perceber.
É a contingência de ter mais de um filho. A complicação de ter mais de um filho.
Meus avós paternos foram sábios. Para facilitar os chamados de seus oito filhos, batizaram os meninos de Luiz e as meninas de Maria, com a diferenciação no segundo nome.
Agora entendo e perdoo a minha mãe, que vive trocando o meu nome pelos nomes de meus irmãos. Pelo menos, quando ela me ofende, nunca sou eu.