Messi se fundiu a Maradona, está ao seu lado no panteão dos mitos, nas estampas das bandeiras, no coração do sol. Tão grande quanto. Tão infinito quanto.
Quando ele perdeu a Copa de 2014 na final para a Alemanha, se tornou definitivamente argentino. Foi como um batizado, a confirmação de sua nacionalidade.
Você só é argentino mesmo depois da derrota, depois do tango. Aquele momento virou a chave de luz em sua trajetória na seleção azul e branca. Ele entendeu a dor que é não corresponder às expectativas da torcida. Compreendeu que não jogava mais para si. Saiu do espetáculo do drible, da solidão da finta, para a disponibilidade coletiva, para servir.
Ele que nunca atuou por um time argentino, jamais vestiu a camiseta do Boca ou do River, precisou pavimentar o seu caminho espiritual de volta para Buenos Aires. Naquele instante em que viu os alemães erguerem a taça que deveria ser sua, ele mudou.
Viria a Copa América no Brasil em seguida, viria a Copa do Mundo de Catar logo após. Sua liderança que já existia impecavelmente com a bola migrou para a voz tonitruante nos microfones. Banhou de ouro e lágrimas a sua Jules Rimet.
Sua atuação contra a Croácia, um assombroso recital, em que colocou o zagueiro Josko Gvardiol a dançar de um lado para outro, como um Garrincha portenho, para a assistência a Julián Álvarez, é digna de nota dez, com 93% de passes certos. Dez absoluto, como Maradona nas quartas de final contra a Inglaterra em 1986.
Na final sofrida, espetacular e arrepiante diante da França, com direito a decisão por pênaltis, não foi diferente. A garra abraçou a técnica, a frieza agiu a favor da emoção. Aquele chiclete que Messi mascou durante o confronto derradeiro nunca teve tanto gosto.
Seis vezes melhor do mundo, faltava essa coroação com o seu povo febril e enlouquecido. Ser melhor do mundo com o seu povo, não mais sozinho.
Ofereceu um alívio a uma população sofrida, vítima de uma das maiores taxas de inflação do mundo, com índices que chegaram a 70% ao ano e 40% dos nossos hermanos vivendo na pobreza.
Não é por menos que o camisa 10, antes tímido e introvertido, hoje canta os hinos da arquibancada em campo com seus colegas.
Acumulou recordes: quem mais esteve em partidas na competição (ultrapassou a marca de 25 partidas do alemão Lothar Matthäus, que detinha o recorde desde o ano de 1998); eleito o melhor em campo em cinco das sete partidas da Argentina no Catar; seus 13 gols o colocam como o argentino com mais gols na história das Copas, superando o escore do Rei Pelé.
Aliás, aos 35 anos, igualou-se a Pelé na despedida mais gloriosa que um atleta pode alcançar numa Copa do Mundo. 2022 de Messi equivale a 1970 de Pelé.
Terminou a comparação de Messi com Diego, passou para um outro patamar: agora sua medida será Pelé. Prepare-se para cânticos de guerra com essa nova rivalidade eterna.
Messi, inclusive, operou um milagre que nem papa Francisco conseguiu: fazer o brasileiro torcer pela primeira vez para a Argentina. Criou uma trégua inédita e imprevisível na tradição bélica sul-americana.
Todos o queriam no topo em sua aposentadoria. Ele merece. O futebol merece. O promissor e extraordinário Kylian Mbappé, artilheiro da Copa com oito gols, poderia esperar para obter o seu bicampeonato.