Como podemos demonstrar saudade?
De tantos jeitos, não somente dizendo “eu te amo”.
Fiquei por quatro anos afastado de minha filha. Quando adolescente, ela foi morar em Brasília com a sua mãe. Eu fazia visitas mensais, o que não era suficiente para suprir a falta. Eu apenas enganava a fome de abraços e beijos, ajeitava a dor da distância para não doer tanto. No aeroporto, no embarque de volta, entristecia-me violentamente porque começava uma outra contagem regressiva para tê-la por perto. Meu relógio biológico tinha ponteiros na direção contrária.
Sempre que falava para ela que estava com saudades, ela não acreditava. Só a presença poderia calar a boca de seu coração. Mais nada.
Pensei com meus botões uma maneira de convencê-la. Os filhos nunca acreditam em nosso amor, passamos a vida tentando persuadi-los.
Eu viajava muito pelo interior do Estado na época, estava com meu sétimo livro publicado e vinha recebendo convites para palestras. Decidi coletar as caixinhas de fósforos dos hotéis durante um ano inteiro.
Adotei como hábito chegar na recepção e logo pedir uma caixinha. Parecia um piromaníaco, um incendiário da ausência.
Todo hotel oferecia um cartão de visita e fósforos, num tempo em que os fumantes eram comuns e constantes. Eu acendia suspiros, não cigarros.
Fui separando os suvenires numa grande redoma de papelão. Formei uma montanha de fósforos, com dezenas deles dos lugares que frequentei, dos mais diferentes possíveis, das mais distintas cores e formatos.
Quando me encontrei com Mariana no final daquele ano, 2006, em seu aniversário, logo depois do Natal, eu confessei que morria de saudade.
Ela me retrucou:
– Que nada, não sente saudade nenhuma. Vive bem longe.
Então, entreguei para ela as caixinhas empilhadas.
– O que é isso?
– Essa é a minha saudade. Risque um por um dos fósforos, chama por chama, e vai cansar. Assim como eu canso de não estar com você. São todos os dias em que pensei em você. São todas as cidades em que pensei em você. São todas as noites em que procurei a constelação de suas fotos para me acalmar.
Foi quando ela, aos 13 anos, finalmente me entendeu. Estava aprendendo a literatura de Portugal na sua escola CEUB, em Brasília, e me surpreendeu recitando Camões:
– “Amor é fogo que arde sem se ver.”
– É, minha filha, e como arde! E como te amo, mesmo não te vendo sempre.
Talvez ela não se lembre de nada disso, porque não nos largamos mais desde então.