Utilizando-se de fontes confiáveis e dados públicos, repórteres são exímios farejadores de malfeitos dos inquilinos do poder. Nossos radares são treinados para valorizar fatos que saiam da rotina e que, de alguma forma, prejudiquem a população – o que faz todo o sentido em um país habituado à corrupção de agentes públicos e privados, à incompetência de governantes e ao descaso na prestação de serviços essenciais.
Mas quanto tempo, recurso e energia depositamos na busca de soluções para os problemas complexos que apontamos e que fazem parte do dia a dia das comunidades? É uma das perguntas que, com cada vez mais frequência, fazemos na Redação Integrada.
Peço licença para contar um bastidor que ajuda a contextualizar esta discussão. Na terça-feira passada, demos visibilidade em GaúchaZH (e, na edição de quarta-feira, em Zero Hora) para os transtornos causados pelas obras de fresagem e recomposição da BR-386. Os reparos na rodovia resultaram em 10 quilômetros de congestionamento e horas de dissabores a usuários da via.
Evidente que tamanho incômodo em uma das mais importantes rodovias do Estado é notícia.
A matéria estava adequada. Mas, diante do infortúnio, o que fazer? Qual a solução emergencial? Não havíamos mobilizado nenhum de nossas dezenas de repórteres para buscar essas respostas.
Em e-mail enviado para editores da Redação, a diretora de Jornalismo Jornais e Rádios, Marta Gleich, provocou:
– Vivemos criticando buracos nas rodovias e a ineficiência na gestão de estradas concedidas. Daí, são feitas obras e a gente critica. Mostramos o projeto de recuperação das estradas, como ficará, o que o motorista terá em breve? Pensamos em infográficos? Não.
O desafio para vencer o cacoete de valorizar o problema e subestimar as soluções, em um país com tantas mazelas como o Brasil, é manter a capacidade de indignação e o tom crítico. Jornalismo construtivo não é adesão a governos.
– O jornalista não pode usar lentes de Pollyanna achando que o mundo virou cor-de-rosa – ponderou Marta em sua mensagem para líderes da Redação.
Na quinta-feira (em GaúchaZH) e na sexta-feira (em ZH), avançamos no tema com a matéria “Como reduzir a tranqueira na BR-386”. Encerro esta carta sublinhando cinco de 15 itens destacados pela Marta e que norteiam a nossa linha editorial:
- Tente inverter ou pelo menos equilibrar melhor os espaços destinados à descrição do problema versus o espaço destinado ao debate das soluções.
- Busque, em lados opostos, elementos em comum. Não destaque só as divergências, ampliando o conflito e a polarização. Construa pontes, não trabalhe para queimá-las.
- Baseie-se em dados e fatos e menos em opiniões das fontes.
- Use um tom ponderado, não se deixando influenciar por declarações escandalosas ou absurdas.
- Paute-se pelo aprofundamento de fatos importantes para a sociedade, e não só pelo trivial, pelo acontecimento do último dia ou da última hora.