Kelly Matos, à frente dos programas Timeline e Gaúcha+, da Rádio Gaúcha (93.7 FM), estreou recentemente duas colunas em Zero Hora: em seu espaço semanal, nas segundas-feiras, fomenta discussões sobre o cotidiano e atualiza a audiência com informações de credibilidade, e no mensal, Papo de Mãe, no caderno especial Viver Bem Juntos, aborda a maternidade real, sem romantizar o tema.
Os olhos da comunicadora brilham quando fala sobre Gabriel, um ano e cinco meses, fruto do casamento com o jornalista esportivo do Grupo RBS Eduardo Gabardo, mas, para ela, é uma missão desmistificar algumas questões sobre a relação entre mães e filhos no espaço Papo de Mãe, para que outras mulheres se sintam acolhidas.
— Eu sempre penso em assuntos que eu gostaria que tivessem me dito, que tem perrengue, que amamentar dói. Eu gostaria que tivessem me dito que é muito difícil. Meu objetivo é falar de coisas que, para as mães, são super comuns, mas que a sociedade parece que não vê ou finge que não vê — conta Kelly.
Neste bate-papo, a comunicadora também fala sobre a cobertura da enchente de maio, de suas relações familiares e, claro, sobre a onda de solidariedade que vivenciamos nos últimos meses.
Durante o período da enchente, atuou na linha de frente da cobertura jornalística, na Gaúcha, e foi convidada para participar como comentarista do Em Pauta, na Globonews. Como foi retratar esse período?
Essa loucura toda acontecendo, e eu com um filho, de um ano e cinco meses, que é a fase em que há mais possibilidades exploração de coisas, cada dia é um aprendizado novo. Na Globonews, eu fiz o Em Pauta durante o mês de maio inteiro, com o meu querido amigo Marcelo Cosme, nós trabalhamos juntos em Brasília. E ele falou: "Kelly, será que você pode entrar ao vivo conosco à noite? Eu expliquei: "Olha, Marcelo, eu tenho filho, pode ser de casa?". Eles queriam um olhar gaúcho sobre o que estava acontecendo. Naquele momento, o Brasil sequer tinha a dimensão do que a gente estava passando. No Em Pauta, expliquei o que estávamos passando, os outros jornalistas ficaram impactados. A Andréia Sadi, outra amiga da época de Brasília, também me faz um convite, entrei com ela no Estúdio i (programa da Globonews) e contei: "Vocês não estão entendendo o que nós estamos vivendo aqui". Nos dias seguintes, o Brasil começou a ter noção do que estava acontecendo. Essas primeiras entradas que fiz, acho que isso foi muito importante para fazer os alertas. Eu agradeci a cada um que me disponibilizou espaço. A Andréia, o Marcelo, a Malu Gaspar, no jornal O Globo. A Natuza Nery, no podcast O Assunto. Porque a gente precisava fazer com que esse assunto fosse visto, para que as pessoas olhassem para cá com um olhar de "tem uma catástrofe, como vamos ajudar?". E isso aconteceu, né. Não só, obviamente, por minha causa, mas acho que por cada um de nós que entrou e expôs pro mundo.
E que tal a experiência de ser a referência jornalística para os veículos do centro do país durante a tragédia que vivemos?
Foi uma experiência riquíssima. Do ponto de vista jornalístico, muito relevante. E acho que, do ponto de vista de impacto para o Estado, também muito importante. Para poder sensibilizar as pessoas para o que estava acontecendo e transformar isso em ajuda, em doações.
Trabalhava durante o dia na rádio e, à noite, entrava ao vivo no Em Pauta. Como foi a rotina com o Gabriel, em casa, durante esse período tão sensível?
Nessas noites, quem ficava com o Gabi era o Gabardo. E aí, de noite, quem tem filho pequeno sabe, é quando a gente tem que encaminhar uma rotina de banho, janta, sono. É aquele momento de conexão especial para dormir. E eu lembro que, nos primeiros dias, eu já estava com meu coração apertado. Ele dormia antes e, depois, começou a me esperar. Ele esperava eu terminar o Em Pauta, pelas 22h. Quando eu saía, ele mamava e dormia.
E ele começou a andar justamente nesse momento.
Estava lá com o pai dele. A gente cuida, né, com a televisão, mas ali, como tinha uma situação especial, o Gabardo ligou. Até o dia em que ele correu na direção da TV, e disse: "Mamãe, mamãe". Eu quase morri do coração, né.
A parceria de vocês na criação do Gabi é total, né?
Dois jornalistas. Nós temos os nossos trabalhos, que exigem muito da gente. O Gabardo cobriu a Copa América, nos Estados Unidos. Então, tem que ter essa parceria, é fundamental. Para que a gente consiga seguir as carreiras, né, as jornadas profissionais. Senão, não teria como. Se eu não tivesse um parceiro, como ele tem uma parceira, que sou eu, não teria como. Ele é quem faz as comidas do Gabi, o banho, até agora, a gente está dividindo.
Mas além do Gabardo, pelas redes sociais, a gente percebe que a Maria Lúcia, sua mãe, também faz parte da sua rede de apoio.
Nossa, minha mãe é tudo! A minha referência de vida. Minha mãe é assistente social e, agora, ela se aposentou. As pessoas acham que eu sou muito conectada com a pauta social, e sou mesmo, é muito da compreensão que eu tenho. Quando nasceu o Gabriel, primeiro neto, ela ficou doida. Ela enlouqueceu, ficou comigo um mês lá em casa, para me ajudar. Se transferiu lá para casa, tirou férias para poder ficar lá. E continuou trabalhando. Aí, quando o meu irmão teve o filho dele agora, o Pedro, que está com quatro meses, acho que pesou para ela. Disse que é hora de cuidar dos netos, cuidar da vida dela. E eu entendo também, porque o trabalho de assistente social é muito pesado, acho que ela entendeu que havia espaço para passar adiante para novas pessoas assumirem.
Jornalismo e maternidade são suas principais pautas na vida e no trabalho, principalmente agora com as novas colunas em Zero Hora. Como é desenvolver esse processo?
Essa brincadeira é boa: meu filho está com 12 quilos, e a minha coluna está doendo. Aí, eu pedi a Deus uma coluna nova, e ele me deu uma nova coluna, mas na Zero Hora. Então cuidado com o que você pede a Deus (risos). E não uma, ele me deu duas colunas! A Zero Hora está linda, repaginada, com colunistas novos, com uma conexão grande com o seu público, com o seu leitor, atendendo tudo, demanda digital. E aí, eu ganhei um espaço, nas segundas-feiras, que envolve os temas com os quais trabalho já, na rádio, o que eu faço normalmente. Mas, há um tempo, eu vinha falando com o nosso editor, o Nilson Vargas, que estou gostando tanto de falar de maternidade, porque as pessoas me dizem que eu falo como realmente é, porque é linda, mas é difícil pra caramba. Até que surgiu essa possibilidade em um caderno muito especial, o Viver Bem Juntos. Que é em parceria com a Unimed Porto Alegre. É a coluna mensal Papo de Mãe. É a oportunidade que eu tenho para falar sobre esse assunto que, para mim, é tão caro, que eu mergulhei, né?
Como escolhe os temas para a coluna Papo de Mãe?
Eu sempre penso em assuntos que eu gostaria que tivessem me dito, que tem perrengue, que amamentar dói. Eu gostaria que tivessem me dito que é muito difícil. Claro, na coluna de estreia, a gente teve uma enchente. Então ela foi toda voltada à questão, porque a gente muda o nosso olhar para qualquer fato depois que vira mãe. Porque vai pensar: "E se fosse o meu filho?". Meu objetivo é falar de coisas que, para as mães, são super comuns, mas que a sociedade parece que não vê ou finge que não vê. E tem várias famosas que são inspirações para mim, como a Rafa Brites, a Tatá Werneck, a Tayla Ayala que falam sobre essas coisas, me ajudaram muito. Elas falando como é a expectativa, mas que a realidade é outra. Aí, aos poucos, fui vendo que não era só comigo. E é isso que eu tento fazer: para que as outras vejam, ouçam, leiam. E se sintam abraçadas também.
Maio foi um mês devastador para os gaúchos, mas também fomos acolhidos com muita solidariedade. O que destacaria como o pior momento que vivenciou neste ciclo da enchente e qual te trouxe mais esperança?
Porto Alegre ainda não tinha alagado. Eu fui para um abrigo, no Pepsi on Stage, que depois alagou também e as pessoas tiveram que sair de lá. E aí, tinha uma mãe com um nenê de três meses. Eu cheguei, perguntei se ela queria conversar. E ela disse: "Eu só choro". Eu falei: "Então vem aqui que eu vou te dar um abraço, porque eu também só choro". Porque eu voltei para quando o meu filho tinha três meses. Eu estava acabada, não sabia o que ia acontecer. E aquela mulher ainda estava passando por tudo aquilo, sem casa, com um recém-nascido, naquele frio. Eu não conversei com ela, porque disse que não tinha condição. Aí, eu fui para um outro lugar, comecei uma entrevista e uma das crianças me puxou. Eu disse: "Então, vou te entrevistar". E a menina: "Ah, eu quero doação". Eu falei: Quer um brinquedo?". Ela disse: "Não, eu quero doação de roupa, calçado, eu não tenho". Eu olhei, e ela estava descalça. Aquilo cortou o meu coração. Tive que ter uma centralidade para conseguir continuar a pauta da reportagem, mas ali, eu embarguei a voz, chorei. Claro, teve um monte de doação, a gente ajudou a família da Érica (a menina da entrevista), eles já têm uma casa nova. Conseguiram comprar na Restinga, com uma vaquinha que a gente fez. Esse momento é muito emblemático para mim, ele fica na minha cabeça, porque eu me lembro da Érica. E esse vídeo viralizou, foi parar em um monte de páginas na internet. Mas eu lembro de pensar: "Como é que ela não tem o sapato? Onde é que nós erramos aqui, sabe?". Fiquei muito frustrada naquele dia. A esperança veio quando percebi que a gente tem muita capacidade, pelo nosso alcance da rádio, de mobilizar pessoas para ajudar. Então, a esperança não veio num momento específico. Ela veio em vários momentos, quando a gente chamou as pessoas para ajudar, e os ouvintes doaram de tudo que foi lugar. Aí, eu tenho esperança. As pessoas são muito boas, sabe. A gente viu muita coisa ruim, teve desvio de doação, tem gente que espalha notícia falsa. Mas tem gente muito boa, acho que os bons são a maioria. E que bom que a gente pode mobilizar essas pessoas com o alcance que a rádio tem. E assim, a gente transforma a vida das pessoas.