A possibilidade de uma safra farta – 31,6 milhões de toneladas, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) –, capitaneada pela soja, esconde um problema que nem sempre está aos olhos de quem está na lida no campo. A terra que garantiu os crescentes índices de produtividade é a mesma que, se não for prioridade para o produtor, pode trazer prejuízos logo ali na frente.
O mês com duas datas comemorativas referentes ao solo é um convite à reflexão sobre os efeitos da ação do homem sobre a natureza. Entre os exemplos, as voçorocas são as marcas mais evidentes da erosão – mas muitos perigos estão também no solo compactado e no solo pobre em nutrientes.
Há quatro anos, o produtor João Vinícius Soldá arrendou 25 hectares de terra no interior de Cachoeira do Sul, ampliando a lavoura para 426 hectares. De solo arenoso e usada até então para pecuária, a propriedade precisou ser recuperada para receber as primeiras sementes de soja.
O investimento, desde custo com máquinas até uso de fertilizantes, foi de R$ 26,3 mil. Em 2013, a colheita da primeira safra de soja na área foi de 30 sacas por hectare e apenas pagou os custos. Soldá, hoje com 29 anos, continua aplicando insumos nos 25 hectares.
– É um investimento no futuro, pensando em aumentar a produtividade ano a ano. Cada saca colhida a mais vale a pena – avalia o produtor, que, neste ciclo, colheu 50 sacas por hectare na área recuperada.
Assistente técnico estadual em solos da Emater e doutor em Ciência do Solo, Edemar Valdir Streck alerta: o custo para quem não faz manejo adequado é maior quanto mais comprometido estiver a terra, e varia conforme a região, o tipo e sua qualidade, com benefício a médio e longo prazo.
– Muitos produtores pensam apenas no agora, na safra boa deste ano e no que podem economizar na próxima. Mas a resposta vem a longo prazo, tanto a boa quanto a ruim – avisa Streck.
Rotação produz matéria orgânica
Segundo o técnico da Emater, a recuperação do solo não se faz de um ano para o outro, e não se restringe à correção da acidez. É preciso adotar a rotação de cultura e aumentar a quantidade de matéria orgânica na terra.
Para avançar, Soldá, produtor de Cachoeira do Sul está investindo em agricultura de precisão. Cerca de 200 hectares foram mapeados por uma empresa de assistência técnica.
– O solo é manchado, não é todo igual. Com a área mapeada e analisada, ele (Soldá) poderá distribuir melhor os nutrientes, sem gastar onde não precisa e colocar onde está faltando – afirma Silvio Augusto Wilhelm, extensionista rural da Emater de Cachoeira do Sul.
Pesquisador do Departamento de Solos e professor da pós-graduação em Ciência do Solo da UFRGS, Elemar Antonino Cassol afirma que o retorno financeiro do investimento em solo é “tão óbvio”, que a pesquisa na área acaba não estudando valores, mas técnicas e resultados de produção. Para que seus alunos conheçam a prática, costuma levá-los a uma propriedade de 580 hectares localizada no Norte.
– O produtor, que conserva o solo dentro do que se preconiza, conseguiu altos níveis de produtividade e sem erosão durante nove safras. A economia, para ele, foi de mais de R$ 1 milhão só na adubação – destaca o professor da UFRGS.
Aplicando o sistema conservacionista, o exemplo destacado pelo professor uniu plantio direto na palha com rotação de culturas à construção de estruturas para contenção do escoamento da lavoura, os chamados terraços, a partir de estudo da Embrapa.
– Não foi feito nada muito complexo e o investimento inicial foi pequeno, mas com resultados cabais. Os agricultores conhecem essas técnicas, mas preferem usar grandes máquinas e dispensam o básico – ressalta Cassol.
O pesquisador da área de manejo e solos da Embrapa Passo Fundo José Eloir Denardin, que assessora a propriedade, conta que a terra não sofre erosão e não há perdas por escoamento. A produtividade atual é de até 75 sacas de soja por hectare.
– O importante não é o quanto se colhe, mas o quanto se lucra. A produção tem um custo baixo e só se aplica insumo com efeito comprovado – resume Denardin.
Custos mais baixos e maior produtividade
O manejo correto do solo reduz custos a longo prazo, mas, segundo especialistas, é no ganho de produtividade que está o principal benefício. O resultado está comprovado em uma pesquisa de 30 anos feita pela área de tecnologia da Cooperativa Central Gaúcha Ltda (CCGL).
– O plantio direto é quase unanimidade, mas não significa que é executado de maneira correta. É preciso associar à rotação de culturas e jamais deixar o solo descoberto. Tem que colher uma cultura e logo plantar outra – ressalta Jackson Ernani Fiorin, doutor em Ciência do Solo, um dos coordenadores do CCGL Tecnologia e professor da Universidade de Cruz Alta (Unicruz).
Vanderlei Neu demonstra que o sistema traz resultado. A propriedade de cem hectares em Quinze de Novembro, no noroeste do Estado, é dividida em três e, rigorosamente, desde 1994, recebe dois terços de soja e um terço de milho todos os verões.
– Mantenho sempre esse método, quer chova ou não. Não é o preço do milho que importa, é o esquema que obedeço – afirma Neu, que saltou, gradativamente nos últimos 12 anos, de 50 sacas de soja por hectare para 80 sacas por hectare. A média estimada para o Estado nesta safra é de 47,6 sacas por hectare, segundo a Conab.
Luiz Formigheri, produtor com 160 hectares em Passo Fundo e Ernestina, no norte gaúcho, tem suas razões para cultivar apenas soja no verão. A exceção fica por uma pequena porção do grão precoce, que é sucedido por milheto, produzido com a finalidade de pastagem.
– Não dá pra plantar milho porque o custo é alto e o risco maior ainda. Sei que melhora (a produtividade da soja), mas o milho, em 10 anos, dá só dois anos de lucro – diz.
TÉCNICAS DE MANEJO
TERRAÇOS: barreiras na lavoura conduzem águas que não se infiltram no solo, impedindo que enxurradas levem para rios nutrientes e agrotóxicos.
PLANTIO EM CURVAS DE NÍVEL: cultivo no sentido transversal ao declive, faz com que a linha de semeadura retenha água. A técnica reduz pela metade o risco de erosão.
PLANTIO DIRETO: consiste em semear a cultura subsequente durante a colheita em andamento. Otimiza o uso da terra, promove cobertura do solo, melhora a infiltração da água no solo e aumenta a fertilidade.
ROTAÇÃO DE CULTURAS: cultivo alternado e sucessivo de espécies em uma mesma área, em safras agrícolas consecutivas. Favorece o controle de pragas, produz mais resíduos orgânicos, mantém o solo coberto, recicla nutrientes e aumenta a produtividade.
ADUBAÇÃO DE PASTAGENS: áreas ocupadas por grãos no verão e pecuária no inverno precisam de adubo para compensar o baixo nível de palhada e do pastoreio dos animais.
Terraços são alternativa
Em Campina das Missões, no Noroeste, Cláudio José Spies, 34 anos, retomou uma antiga prática, que não é considerada solução para todos os tipos de terreno. Na propriedade de 70 hectares, localizada em terreno com declives, escolheu uma área de 25 hectares para investir em terraços. Utilizando um arado próprio, investiu R$ 1,2 mil no aluguel de um trator.
– Nesta safra, tivemos bastante chuva e não houve problema de erosão, porque a água excedente foi levada para o lugar certo. Se a previsão de seca se confirmar, os terraços ajudarão a reter a água – avalia Spies.
Mas ele admite ser mais trabalhoso:
– Demora um pouco mais, mas compensa. Estou colhendo 60 sacas de soja por hectare. Os antigos donos, mesmo com chuva boa, colhiam uma média de 50 sacas por hectare.