Quando os produtores gaúchos começaram a preparar a lavoura de milho, em julho do ano passado, a saca do grão era vendida a pouco mais de R$ 20 no Rio Grande do Sul. Seis meses depois, em plena colheita, o preço bateu a marca de R$ 35. A reviravolta no mercado, provocada especialmente pela exportação brasileira recorde do cereal no último ano, acabou sendo uma grata surpresa para os produtores que investiram na cultura na safra com a menor área plantada da história.
- Não existia cálculo que favorecesse o plantio de milho no começo do ciclo. Mesmo assim, plantamos pelos benefícios que a rotação de cultura deixa no solo - destaca Martiniano Costa Beber, 49 anos, um dos sócios da Sementes Costa Beber, que irá sediar a abertura oficial da colheita no próximo dia 12, em Condor, no Noroeste gaúcho.
Quando o milho se aproxima de 50% do preço da soja, em uma relação de dois por um, os produtores calculam que a cultura se torna tão rentável quanto a oleaginosa - a diferença de preço é compensada pelo volume três vezes maior por hectare. Com a colheita de milho iniciada na semana passada, o rendimento da lavoura varia entre 150 a 250 sacas por hectare.
O único percalço foi a geada de setembro, que comprometeu 60% da lavoura. As perdas são compensadas, pelo menos em parte, pela valorização do cereal e boa produtividade na lavoura 100% irrigada.
- Se o preço do milho se mantiver nesse patamar, iremos aumentar a área plantada na próxima safra - afirma Costa Beber, que reduziu em 40% a área plantada com o grão nesta safra.
A boa produção combinada com a alta de preço poderá estimular os produtores gaúchos a aumentarem a área cultivada no próximo ciclo - depois de cinco anos de redução consecutiva.
- A tendência é o produtor plantar mais. Ele costuma olhar para a última safra na hora de decidir. Se rendeu bem, investe mais - avalia Claudio de Jesus, presidente da Associação dos Produtores de Milho do Rio Grande do Sul (Apromilho-RS).
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A sustentação dos preços do cereal em 2015 ocorreu mesmo no ano em que o Brasil colheu uma safra recorde. A cotação foi garantida pelo aumento das exportações e pela alta do dólar - que ultrapassou os R$ 4. Em 2015, os embarques chegaram a 28 milhões de toneladas - 40% a mais do que no ano anterior.
- Quando o dólar disparou, em setembro, as exportações aumentaram em ritmo alucinante - lembra Carlos Cogo, consultor agroeconômico.
Em dezembro, o Brasil bateu recorde absoluto para um mês ao exportar 6,2 milhões de toneladas. O aumento dos embarques reduziu a oferta interna, elevando o valor da saca no mercado brasileiro.
- O preço interno é definido pelo preço no porto. Há uma paridade nas cotações - explica Cogo.
A menor oferta de milho no Brasil, devido à redução da área plantada, também ajudou a valorizar o cereal nesta safra. No Rio Grande do Sul, onde a área prevista já era a menor da história, a geada em setembro reduziu ainda mais o espaço da cultura.
- A oferta interna diminuiu e a demanda internacional aumentou. Essa situação pressionou os preços - confirma João Marcelo Dumoncel, diretor comercial da 3 Tentos Agroindustrial, empresa com unidades de armazenamento e comercialização de grãos, além de produção de biodiesel e de ração animal.
Na venda da safra, a 3 Tentos afirma estar tentando priorizar o abastecimento do mercado interno, para atender aos criadores de aves e suínos, que estão com dificuldade para garantir o grão.
- Mas, para isso, é preciso um mínimo de equivalência do preço praticado nas exportações - pondera Dumoncel.
El Niño garante uma boa safra
Com previsão de uma colheita de 5,8 milhões de toneladas, bem próxima da produção recorde do ano passado, a cultura do milho foi beneficiada pelo excesso de chuva trazido pelo fenômeno El Niño. Em algumas lavouras, nem mesmo a geada de setembro, no período de desenvolvimento vegetativo das lavouras, foi capaz de reduzir a produtividade.
- As plantas rebrotaram e depois choveu muito bem, praticamente não usamos a irrigação, o que reduziu nossos custos também - conta Jorge Strobel, 48 anos, que cultiva 390 hectares irrigados ao lado dos irmãos no município de Condor, no noroeste gaúcho.
Strobel está alcançando média de 185 sacas por hectare na colheita iniciada há pouco mais de uma semana. O resultado, o dobro da média estadual, é inferior ao de 2015, quando superou a marca de 200 sacas por hectare. Mas, ainda assim é comemorado diante da alta de preço do cereal nos últimos meses.
- Se continuar assim, iremos plantar até no sequeiro (sem irrigação) na próxima safra - afirma Strobel, que destina 40% da produção para alimentação de 550 vacas em lactação.
Além de precisar do grão para abastecer a produção leiteira da propriedade, Strobel justifica o investimento na cultura pelos benefícios da palhada deixada no solo.
- O milho traz grandes benefícios à lavoura. Mas não é só de paixão que se vive, precisamos de uma remuneração - completa.
O estímulo à rotação de culturas é uma das metas do Programa Estadual de Conservação de Solo e Água, lançado pelo governo em dezembro de 2015. Uma das ideias é incentivar o plantio de variedades mais precoces de grão em determinadas regiões do Estado para possibilitar o plantio de uma segunda safra dentro do mesmo ciclo.
- O retorno para o produtor rural muitas vezes não é imediato, pois o ganho vem lá na frente com o aumento de produtividade das lavouras - destaca Ernani Polo, secretário estadual da Agricultura.
Pressão para o setor de carnes
Se para os produtores de milho a alta de preço representa um estímulo, para o setor de aves e suínos a valorização do cereal é preocupante. Com dificuldade para encontrar o grão no sul do Brasil, principal região produtora dessas carnes, as indústrias não sabem até quando irão conseguir suportar o aumento da principal matéria-prima da alimentação dos animais.
- Está faltando milho no mercado - confirma Rogério Kerber, diretor-executivo do Sindicato das Indústrias de Produtos Suínos do Estado do Rio Grande do Sul (Sips).
Com a variação cambial dos últimos meses, ficou mais interessante para os produtores exportar milho do que vender para o mercado interno. No oeste do Paraná, o preço da saca pago ao produtor passava de R$ 42 na semana passada, conforme dados do indicador Esalq/BM&FBovespa, representando uma alta de 16% no mês.
- Isso significa aumento dos custos de produção para a indústria de carnes - diz Kerber.
Para o analista de mercado Paulo Molinari, da consultoria Safras & Mercado, o milho deverá se manter valorizado até a colheita da safrinha no Centro-Oeste, na metade do ano. Em 2016, as estimativas indicam que os embarques do cereal no país baterão novo recorde, chegando a mais de 30 milhões de toneladas.
- Esse movimento de exportações de milho no segundo semestre parece ter vindo para ficar - completa Molinari.