As novas configurações da soja no Rio Grande do Sul, que avança em área a cada novo ciclo de verão, colocam em discussão a relação de um antigo casamento dos campos gaúchos: a rotação com o trigo, no inverno, que começa a ser alterada.
Para não atrasar o plantio de soja - que vem sendo antecipado para o começo de outubro, quando o período tradicional costuma ser novembro -, produtores estão deixando de semear a principal cultura da estação do frio.
- Esse é mais um fator que está restringindo a produção de inverno. A gente usa muito pouco do potencial que existe - afirma João Leonardo Pires, doutor em fitotecnia e pesquisador da Embrapa Trigo.
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Dados apresentados por Pires no ciclo de palestras do agronegócio realizado por Zero Hora em Santo Ângelo, nas Missões, mostram que, na região sul do país, apenas 18% da área é aproveitada durante a safra de inverno - no Rio Grande do Sul, esse percentual é levemente superior, 19%.
- O casamento da soja com o trigo sempre foi viável, e agora está se discutindo a relação - compara Pires.
Fazendo as vezes de "terapeuta", a pesquisa busca formas que ajudem a manter essa parceria, sem comprometer a relação. Entre as estratégias testadas, o ajuste genético de cultivares e a época de semeadura aparece como uma das mais promissoras para fazer a adaptação ao novo calendário trazido pela soja.
- Não é que o produtor seja apaixonado pela soja, é uma questão econômica. Soja se vende até domingo de noite. Produtor não tem mais poupança, tem grão depositado em cooperativas - observa Paulo Pires, presidente da Federação das Cooperativas Agropecuárias do Estado (Fecoagro-RS).
Fica, no entanto, a lembrança de especialistas de que é preciso dispensar cuidados ao solo - prerrogativa que em muitos casos está ficando de lado.
- A soja está entrando em áreas sem aptidão - alerta Edemar Streck, doutor em ciência do solo e assistente técnico da Emater, que está ajudando na elaboração
do Programa Estadual da Gestão de Solo e Água em microbacias, que será lançado pela Secretaria da Agricultura.
Assim como na crise de qualquer casamento, para acomodar a parceria entre soja e trigo não existe receita pronta e nem verdades absolutas. O produtor precisa avaliar a lavoura e tomar a decisão mais adequada à sua realidade.