Dos mais de 7 milhões de hectares cultivados no Rio Grande do Sul na safra de verão, apenas 2,5 milhões serão ocupados por outras culturas agora no inverno. O restante, quase 5 milhões de hectares, receberá pastagem ou ficará sem cultivo (pousio) neste período.
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Quando a nova safra entrar, a área de soja será cinco vezes maior do que a de milho. A baixa rotação de culturas diminui a produção de palha. Esse processo é um dos inimigos da conservação do solo. Houve uma ingrata constatação para quem achava que a consolidação do plantio direto resolveria boa parte dos problemas de manejo.
- O êxito do sistema de plantio direto depende da produção anual de oito a 12 toneladas de palha e raiz. E isso só se consegue com rotação e sucessão de culturas - explica José Eloir Denardin, pesquisador da Embrapa Trigo.
No infográfico abaixo, clique nos números e saiba mais sobre a compactação do solo
O modelo de monocultura, soja no verão e pousio no inverno, não é suficiente para produzir nem perto de oito toneladas de palha e raiz por ano, exemplifica o pesquisador. O resultado da escassez de matéria orgânica é a tão temida compactação do solo - quando a terra diminui a capacidade de infiltração e retenção de água.
- E não estamos falando de um problema agronômico apenas. O solo tem funções que vão além da produção agrícola, funções sociais e ambientais - alerta Jean Minella, professor do Departamento de Solos da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).
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Minella refere-se à dinâmica da água, que impacta no abastecimento à população e na geração de energia. Solos compactados (duros e com poros fechados) têm dificuldade para infiltrar e reter água da chuva, que acaba escoando para rios e lagos. A água que vai embora, arrastando junto matéria orgânica, corretivos e produtos químicos, polui o ambiente.
- Além disso, não nutre as plantas e não abastece o lençol freático, que alimenta poços artesianos - acrescenta Minella.
Cuidados básicos com a terra ficam de lado
A compactação do solo é atribuída também ao tráfego intenso de máquinas e equipamentos na lavoura - cada vez mais presentes no modelo da agricultura moderna. Após evoluir de um sistema arcaico de aração e gradagem, a partir de meados da década de 1980, a agricultura moderna recorre a técnicas antigas para conservação do solo - como os terraços.
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A barreira volta à cena em lavouras gaúchas para disciplinar o movimento das águas e controlar as enxurradas - frequentes em anos de fenômeno El Niño. No novo modelo, explica o pesquisador da Embrapa, o espaçamento entre os terraços é quatro vezes maior do que no passado.
- Com as facilidades trazidas pela agricultura moderna, como os transgênicos a partir dos anos 2000, o produtor acabou deixando de lado princípios básicos de conservação do solo - lamenta Denardin, citando a "ilusão" de deixar a lavoura no inverno apenas com azevém e aveia que germinam por conta (guachas).
Área de soja cresce, de milho diminui
Neste ano, quando a soja superou a marca histórica de 5 milhões de hectares no Rio Grande do Sul, a área plantada com milho foi reduzida a menos de 1 milhão de hectares - a menor desde a década de 1970, início da série histórica da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).
- Os produtores gaúchos estão plantando soja até mesmo em locais sem aptidão agrícola, em solos rasos e pedregosos ou em áreas altamente inclinadas - alerta Edemar Streck, assistente técnico de recursos naturais da Emater.
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Os principais exemplos estão na Metade Sul, aponta Streck, onde a área da soja cresceu mais de 200% nos últimos cinco anos. Com boa parte do solo arenoso, diferente do argiloso (terra vermelha) do Norte e Noroeste, a região depende ainda mais de palhada para reter a água nas lavouras. Nas áreas consorciadas com pastagem, o risco de degradação do solo é ainda maior.
Na última safra, a soja ocupou 70% das lavouras gaúchas e o milho, míseros 12%. Soma-se a isso, o desestímulo dos produtores com as culturas de inverno, que também servem para aumentar a quantidade de matéria orgânica. Neste ano, a área do trigo no Estado deverá ser reduzida em 20%, conforme projeção da Conab.
- A agricultura não está produzindo a quantidade de palha suficiente. É preciso manter o solo coberto - indica Robinson Barboza, agrônomo da Cotrijal, cooperativa que tem ações para conscientizar o produtor da importância de técnicas conservacionistas do solo.
Conforme Barboza, é difícil convencer os agricultores a manter a rotação de culturas mesmo diante da vantagem maior de preço e custo de uma em relação a outra.
- O nosso desafio é fazer o produtor não pensar só nos ganhos imediatos, mas olhar para o futuro.
O alerta para o uso racional de um dos principais recursos naturais vem da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), que denominou 2015 como Ano Internacional do Solo.