Foto: Nina Boeira, especial
A opção dos pecuaristas de reter mais matrizes nas propriedades, o avanço da soja e a venda direta de animais nas propriedades devem levar - pelo segundo ano consecutivo - ao recuo da comercialização de gado em feiras oficiais. No Sindicado dos Leiloeiros Rurais do Estado (Sindiler), a expectativa para esta temporada de outono é de redução de até 20% em relação ao ano passado. Em 2013, as vendas em feiras oficiais caíram 4,5%, mas se considerados somente os terneiros, carro-chefe dos negócios, a queda chegou a 15%.
- As feiras de terneiros vêm diminuindo ano a ano. O produtor já vendeu muito gado ou arrendou para plantar soja - explica o presidente do Sindiler, Jarbas Knorr.
Em municípios da Fronteira Oeste, tradicional reduto da pecuária gaúcha, os ganhos vantajosos da soja não param de conquistar criadores. O exemplo de como esse movimento muda o cenário dos remates de outono, e dos campos, é Alegrete, onde está o maior rebanho bovino do Rio Grande do Sul.
As 629 mil cabeças que havia nos campos do município em dezembro de 2012 representaram queda de apenas 1% em relação ao ano anterior, mas significa 6 mil animais a menos para venda e abate. A Agenda Remates, uma das principais leiloeiras da região, já registra redução de cerca de 30% na inscrição de animais para este ciclo.
A queda na criação de animais se deve a medidas adotadas anteriormente por criadores como Heitor Etchepare Neto. No comando da Fazenda e Haras Ipê há 30 anos, Etchepare destinou neste ciclo 200 hectares, dos 800 hectares de área da propriedade, para a lavoura de soja. A colheita ainda está no início, mas foi suficiente a estimativa de produção entre 40 e 50 sacas por hectare para definir a expansão da área no próximo ano, provavelmente para o dobro do espaço atual. Para manter a criação de cerca de 1,5 mil cabeças da raça angus, Etchepare arrendou uma área lindeira. No momento, a intenção é manter o número de animais - mas sem garantia de que a ação permaneça a mesma em um futuro próximo.
- Acredito que a pecuária ainda vá recuar um pouco, sim. O produtor tem de ter mais alternativa de alimentação dos animais para conseguir manter os números - diz o criador.
Estimulado pela lei de oferta e demanda, quando um produto escasseia os preços tendem a seguir direção oposta. Nesse caminho, a projeção é de que o quilo do terneiro vivo permaneça em torno de R$ 5 - próximo do que tem sido registrado com frequência nas compras feitas diretamente entre produtores e acima da média de R$ 4,31 registrada na temporada passada.
No último sábado, a primeira etapa da Feira de Outono, em Lavras do Sul, confirmou a tendência de valorização. A oferta de 760 terneiros das raças hereford, braford, angus e brangus teve pista limpa e preço médio do quilo de R$ 4,81. Para a segunda etapa da Feira de Outono, que ocorre no início de maio, a expectativa do proprietário da Abascal e Borges Remates, João Rafael Abascal, é de números ainda maiores.
Produtor busca ponto de equilíbrio
Além da expansão das lavouras de soja e de mais vendas realizadas antes das feiras oficiais, a retenção de matrizes bovinas nas propriedades para produção de terneiros tornou os remates menos concorridos nos últimos anos. Com a demanda por carne em alta, o cenário é visto por alguns com otimismo. Os novos ganhos obtidos pelos pecuaristas com a agricultura integrada com a criação de gado é uma alternativa que ajuda a manter a tradicional atividade gaúcha.
- Diminuiu a faixa etária dos animais nas propriedades. O gado fica menos na fazenda. O giro é rápido - afirma o proprietário da Agenda Remates, Homero Tarragô.
Nesse trabalho de giro rápido, cresce a prática de comprar o terneiro no outono, aproveitar a entressafra para engordá-lo até setembro e vender nos remates de primavera. A ação é benéfica para ambas atividades: a pastagem do gado aduba o solo para o plantio seguinte. A medida, porém, teria um teto.
- Chegamos no limite. Não tem mais área disponível para o gado. Se aumentar a agricultura, diminuirá mais o número de animais - defende Tarragô.
Com o quilo do terneiro em torno dos R$ 5, o momento pode ampliar os ganhos dos criadores.
- É possível fazer duas leituras sobre o cenário. Na pessimista, vai faltar espaço para o gado. Na otimista, vai melhorar a produtividade, será estimulada a produção de pastagem com mais tecnologia, suplementos e sistemas que ofertem alimentos extras para os animais - diz Fernando Furtado Velloso, consultor da Assessoria Agropecuária FF Velloso & Dimas Rocha.
Criadores optam por vender na fazenda para reduzir custos
Não é necessariamente negativa a redução no número de animais que estão indo para negócios nas pistas de remates. A queda também é reflexo do maior número de opções de compra e venda de animais no mercado. Para escapar dos custos de participação nas feiras oficiais, como transporte, por exemplo, é cada vez mais comum a comercialização antecipada nas propriedades.
Em geral, estão entre os atrativos das feiras a oferta de financiamentos, o fato de serem considerados eventos que dão "garantia de qualidade dos animais" e que ajudam a fidelizar os clientes - muitos vindos de Estados do centro do país. Ainda assim, o produtor tem sentido mais segurança em adiantar os negócios.
- É um movimento de mercado. O pessoal de Mato Grosso tem feito isso, o que influencia as feiras - comenta o presidente do Sindicado dos Leiloeiros Rurais (Sindiler), Jarbas Knorr.
O consultor da Assessoria Agropecuária FF Velloso & Dimas Rocha, Fernando Furtado Velloso, minimiza o impacto do movimento, já que as feiras historicamente concentram parte menor da venda total de animais:
- As feiras oficiais são um indicador de volume, mas não é o único. Pensando que temos um nascimento de aproximadamente 2 milhões de terneiros por ano no Estado, a grande maioria fica de fora. Elas são representativas como referencial de preço, mas o número de animais vendidos entre produtores é muito maior.
Mesmo que o avanço da soja não deva conhecer freio em breve, o modelo de comercialização nos remates ainda tende a permanecer.
- É possível que ocorra alguma mudança, mas não se sabe o que vem por aí. É uma questão de mercado - avalia Knorr.