Foto: Tiago Francisco/Farsul, Divulgação
Enquanto as cultivares tardias de soja ainda fazem parte da paisagem das lavouras gaúchas, o produtor já se prepara para o início da safra de inverno. Principal produto da estação, o trigo vem embalado pelo volume recorde do ciclo passado: foram 3,17 milhões de toneladas.
Nem mesmo as dificuldades na hora da venda devem intimidar: a projeção é de que a área cultivada cresça 5%, segundo a Federação das Cooperativas Agropecuárias do Estado e a consultoria Safras & Mercado, batendo a casa dos 1,1 milhão de hectares.
Manter o mesmo patamar do ano passado não será tarefa simples. A produção recorde veio acompanhada de mais espaço para o trigo gaúcho no mercado, devido às perdas nas safras do Paraná e do Paraguai. Neste ano, a tendência é de recuperação da lavoura paranaense, que deve puxar a alta de 15% na área cultivada com trigo no país. Como efeito, os preços tendem a ficar um pouco abaixo do ciclo passado. Entre outubro de 2013 e abril deste ano, o preço médio da tonelada chegou a R$ 652. Em setembro, antes da colheita gaúcha, superou os R$ 800.
Ainda assim, a cultura permanecerá como aposta, avalia Alencar Rugeri, engenheiro agrônomo da Emater:
- O produtor trabalha olhando para trás. Como viemos de um período de bons preços, a tendência é avançar, fazer lavouras com bons níveis de tecnologia.
Produtor de trigo há mais de duas décadas, Diones Vaseran Carmo, 47 anos, apenas terminou a colheita de soja em Passo Fundo e Pontão, no norte do Estado, e já prepara o solo para receber as culturas de inverno - trigo, cevada e aveia branca. Na área destinada ao trigo, 260 hectares, equipamentos de aplicação de calcário, fósforo e cloreto de potássio já entraram em campo:
- Com agricultura de precisão pretendo aumentar a produtividade, que no ano passado já foi excelente, chegando a 70 sacas por hectare.
Efeitos na lavoura
> Há projeção de ocorrência de El Niño. Na prática, isso determina mais volume de chuva e menos geadas - principal problema para o trigo - especialmente na colheita.
> Há dois anos, esse fenômeno foi a maior causa da queda na produção do cereal no Estado.
> Apesar do prazo curto até o início do cultivo, que normalmente ocorre na segunda quinzena de maio, Ataídes Jacobsen, da Emater, recomenda cuidado com a fertilização da área e a escolha adequada das cultivares.
Nova isenção é encarada como ameaça
Se a boa notícia do ano passado foi a produção, a preocupação surgiu com as dificuldades de venda. A isenção da cobrança da Tarifa Externa Comum - imposto cobrado do trigo trazido de fora do Mercosul - se estendeu de abril a novembro e fez as indústrias lotarem os estoques com o cereal, atrasando a compra da produção gaúcha.
Como o Brasil segue dependente do trigo do Exterior e o cenário internacional se mantém semelhante, com a Argentina, principal fornecedor brasileiro com vendas em baixa, o temor dos representantes do setor é que o Planalto reedite a medida em 2014.
- Estivemos em Brasília e pedimos que não autorizassem novas importações até que o Estado tivesse comercializado sua produção, para não achatar o preço - afirma Hamilton Jardim, presidente da Comissão de Trigo da Federação da Agricultura do Estado.
O presidente da Fecoagro, Paulo Pires, também é contra nova isenção:
- Há mais de 500 mil toneladas da safra passada para vender. E temos ainda trigo do Mercosul.
A situação da Ucrânia também pode impactar o mercado. A incerteza quanto ao fornecimento do cereal pelo país europeu, sexto maior exportador mundial, pode ser uma oportunidade.
- Se reduzirem as exportações da Ucrânia, é bom para o Estado, pois temos trigo similar para vender - afirma Elcio Bento, analista do mercado de trigo da Safras & Mercado.
Dobradinha com a pecuária
Com o mercado do boi gordo valorizado, nos últimos anos muitos pecuaristas adotaram uma nova prática. Compram terneiros no outono, para engordá-los na entressafra e depois revendê-los nos remates de primavera. Com a prática, além do ganho com a pastagem, principalmente azevém e aveia, o produtor aduba o solo para a ciclo seguinte de grãos.
- O Rio Grande do Sul praticamente se dividiu no inverno em duas opções: trigo e boi. Só que, para manter o gado, é preciso alguns pré-requisitos, como cercas e mão de obra preparada - diz o presidente da Fecoagro, Paulo Pires.
Apesar de ainda restrita, a novidade é vista com bons olhos.
- Não é uma ameaça. Ao contrário. Não estamos usando nem 30% da área que o Estado tem para plantar. A pecuária é hoje oportunidade para aqueles que têm experiência - afirma Hamilton Jardim, presidente da Comissão de Trigo da Farsul.
A divisão entre pecuária e trigo no inverno sempre foi uma marca da propriedade de Cleo Pieniz, em São Luiz Gonzaga. Enquanto no verão a soja domina os 700 hectares da área, nos últimos anos o trigo ganhou mais espaço graças aos bons preços. Embalado pela produtividade, que chegou a 75 sacas por hectare, contra uma média de 50 sacas por hectare no Estado, a expectativa de Pieniz para o ciclo 2014/2015 é fazer a lavoura dourada avançar para 380 hectares, aumento de 10% em relação à safra passada.
Se o preço e boa produtividade se mantiverem em alta, o agricultor cogita até a possibilidade de diminuir a área hoje destinada a pastagens, cerca de 50 hectares.
- Vi que o trigo está remunerador neste momento. E ajuda a gente a colher mais no verão. A palha que o trigo deixa no inverno auxilia na adubação do solo - afirma o produtor.