Policiais, fazendeiros e historiadores costumam dizer que o furto de gado, atividade conhecida como abigeato, é um crime que existe desde antes da fundação do Rio Grande do Sul.
Descontada uma eventual imprecisão histórica, é fato que bandos de abigeatários não só sobrevivem há séculos como também chegaram aos dias atuais exibindo maior eficiência nos furtos. Para isso, aliaram-se a quadrilhas que têm outros negócios ilegais e fizeram com que a carne chegasse com mais rapidez ao consumidor.
No princípio, o objetivo do furto era alimentar a família. Era conhecido como abigeato de garupa (veja quadro). Mais tarde, a carne passou a ser vendida aos açougues nas periferias. Hoje, os abigeatários transportam o gado para centros clandestinos de abate.
Entre os motivos que contribuíram para a perenidade desse de crime estão a dificuldade de enquadrar os abigeatários em crimes graves do Código Penal - como formação de quadrilha -, falta de estrutura na investigação e problemas na identificação da procedência da carne.
- É impossível colocar um chip eletrônico em cada pedaço de carne - lamenta o delegado Cristiano Ribeiro Ritta, titular da Delegacia Especializada em Roubos, Furtos, Entorpecentes e Capturas (Defrec) de Bagé.
Nesta semana, deputados gaúchos aprovaram um projeto de lei que determina a especificação do abigeato nos registros dos índices de criminalidade do Estado. O objetivo é dimensionar melhor o problema para desenhar melhores estratégias de reação. Outra proposta, que tem gerado polêmica, prevê a identificação obrigatória do rebanho. O texto original foi retirado da Assembleia. Para Anna Suñé, coordenadora da Câmara Setorial da Carne da Secretaria da Agricultura, a ferramenta "ajudaria muito" no combate ao crime. O brinco colocado no gado dificultaria a legalização do animal furtado, hoje feita com a emissão de nota fiscal fria. O Serviço Brasileiro de Rastreabilidade da Cadeia Produtiva de Bovinos e Bubalinos (Sisbov), do governo federal, é voluntário e existe em 153 das 370 mil propriedades rurais gaúchas. No país, 1.687 propriedades estão no Sisbov - 0,5% do total. A baixa adesão está relacionada ao custo.
- No Uruguai, onde o procedimento se tornou obrigatório, o abigeato caiu mais de 40% - afirma Anna.
Segundo a Secretaria de Justiça e Segurança, cerca de 14 mil cabeças de gado são furtadas ao ano no Estado, onde o rebanho chega perto de 14 milhões. Embora corresponda a uma fração do total, o produto do crime é um risco para a saúde pública, diz professor Eduardo Cesar Todo, do Instituto de Ciência e Tecnologia de Alimentos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Em séculos de enfrentamento, ladrões de gado têm levado vantagem Embora as autoridades conheçam os caminhos que levam a carne do abigeato ao prato do consumidor, não conseguem desmontar os esquemas.
Veja como é o trabalho de combate ao abigeato e por que o crime preocupa produtores