A presença crescente de tilápias em lagoas do Rio Grande do Sul vem surpreendendo pescadores e pesquisadores, principalmente na região de Osório, no Litoral Norte. Apesar de ter caído no gosto de consumidores por conta da carne saborosa, a espécie é considerada invasora e pode desequilibrar o hábitat, prejudicando o desenvolvimento de outros animais.
Em locais como a Lagoa do Marcelino, em Osório, as tilápias tornaram-se dominantes. A espécie mais presente é a "tilápia do Nilo" (Oreochromis niloticus), natural do Egito. Com a presença deste tipo de peixe, espécies tradicionais do local, como o caraá e traíra, praticamente sumiram.
— Antigamente, tinha muito caraá. Agora, não tem mais. Se tu coloca uma rede, pega mil tilápias e, por acaso, um caraazinho perdido — conta o pescador Luiz Alberto de Oliveira, de 69 anos.
De acordo com a Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema), no entanto, ainda não há nenhuma pesquisa que aponte a presença acima do normal de tilápias no estado.
A mudança de cenário nas lagoas da região vem causando preocupação entre pesquisadores. Em novembro, um seminário reuniu biólogos, professores e autoridades locais para debater a invasão das tilápias. Promovido pelo professor Aluízio Verdinho, o debate alertou para a capacidade de adaptação desta espécie, e o perigo que isso traz.
— É um peixe que foi introduzido na década de 1970 no Brasil e se adapta muito bem às nossas águas. Ele cresce rápido, se multiplica facilmente e tem uma carne muito gostosa, então caiu no gosto popular — explica.
— Só que, quando os açudes rompem ou transbordam depois de chuvas, esses peixes escapam e começam a cair dentro das lagoas. Como é uma espécie que se alimenta de tudo, ela destrói o lugar onde está. Além de se reproduzir o ano inteiro, então desequilibra a presença de outras espécies no ambiente — completa o professor.
A situação se assemelha à das palometas. Esse tipo de piranha vem gerando prejuízos aos pescadores da Ilha da Pintada, em Porto Alegre. Por não ser uma espécie natural da área, as piranhas causam um desequilíbrio ecológico atacando muitos peixes, que antes não eram alvo de predadores. A espécie também foi vista na Orla e no Rio Jacuí.
Segundo o professor de Biologia Marinha Enio Lupchinski Junior, da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS), ainda não há estudos que calculem a quantidade de tilápias invasoras no estado, mas "aparentemente estão presentes no sistema como um todo".
— Estamos registrando o início do aparecimento da tilápia no nosso sistema. Me preocupo mais com a tilápia do que com a palometa, porque a tilápia morre muito menos durante a reprodução, sobrevive mais, então tem grande potencial de se tornar invasora. Ela desloca outras espécies com comportamento ou alimentação semelhante. Há um desequilíbrio ambiental — afirma.
Controle é difícil
Para Lupchinski, é necessário criar uma força-tarefa para tentar interromper o desenvolvimento desta espécie na região.
— Tem que fazer o máximo de pesquisa, para saber os pontos de invasão, e tentar ao máximo medidas de captura, para evitar que se espalhe. É muito difícil fazer isso, teria que ter muito foco, com prefeituras envolvidas, dinheiro gasto, e fazer pesca. É quase impossível — ressalta.
Já o coronel Rodrigo Gonçalves dos Santos, comandante do Comando Ambiental da Brigada Militar, que também acompanha a situação, explica que o controle e a punição de possíveis responsáveis pelo descontrole nas produções é difícil.
— Certamente, as tilápias vêm de tanques de produção. A lei determina que esses tanques tenham manutenção e sejam monitorados para impedir esses vazamentos, para não colocar animais exóticos em ambientes naturais. Há punição prevista, mas a fiscalização é difícil, porque não tem como atribuir de que criação veio uma tilápia que já está no rio. Se não pegar em flagrante o açude vazando, não tem como rastrear depois — explica.